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WALTER SALLES
O erotismo volta à tona na literatura e no cinema europeus
Há sinais por todos os lados. Na pintura, no cinema,
na fotografia e na literatura. Depois do conservadorismo dos anos
80 e 90, volta-se a falar da nudez
dos corpos, de desejo e de erotismo. O jornal francês "Le Monde"
define o momento como um "violento e salutar retorno ao real, em
oposição à amnésia imposta -e
aceita- nas últimas décadas".
Não que o nu estivesse ausente
da vida contemporânea. Ao contrário, foi banalizado mundo afora pela publicidade, que disseminou imagens de corpos "asseptizados", retocados digitalmente,
para vender todo tipo de produto.
Co(r)pos plásticos. O efeito dessa
apropriação indébita foi perverso:
cada vez mais nus, cada vez menos nudez.
Pelo menos na Europa, a reação
já se faz sentir. "Intimidade", o
longa de Patrice Chéreau que ganhou o último Festival de Berlim,
é um dos filmes que anunciam essa transformação. A trama é simples. Um homem e uma mulher
encontram-se às quartas-feiras
para transar. No início, um não
conhece nada da vida do outro.
Respondem apenas a um desejo
vital. As cenas de sexo são filmadas sem subterfúgios, de forma seca e direta. Ao contrário de Lars
von Trier, que contradisse os preceitos do Dogma -que ajudou a
criar- usando atores pornôs para as cenas de penetração em "Os
Idiotas", Chéreau filma os seus
atores de forma corajosa e visceral. São corpos comuns, vistos sem
sensacionalismo.
Outros filmes recentes vão na
mesma direção: "Romance", de
Catherine Breillat, e "A Vida de
Jesus", de Bruno Dumont. Esses
filmes retiram o sexo do escaninho ao qual ele estava relegado, o
universo dos filmes "X", e o reintegram ao cotidiano.
A literatura não fica atrás. Graças à sua honestidade crua, um
relato autobiográfico recentemente publicado na França tornou-se um surpreendente sucesso
editorial: "A Vida Sexual de Catherine M.". Sem mistificações e
sem procurar chocar o leitor, Catherine Millet expõe, em um livro
extremamente bem escrito, como
o sexo com parceiros diferentes se
tornou parte da sua vida. É um
texto preciso, revelador e inesperadamente plácido.
A autora não se esconde atrás
de um pseudônimo. Poderia. Catherine Millet é a editora da influente revista "Art Press". O que
a motivou a escrever o livro? Um
desejo de desafiar preconceitos.
"Pela primeira vez, alguém fala
da origem do prazer sem voyeurismo ou proselitismo, fugindo da
comédia das aparências", disse
recentemente o filósofo Philippe
Sollers.
Para sacudir ainda mais o moralismo vigente, "A Vida Sexual
de Catherine M." foi publicado na
França ao mesmo tempo em que
um livro de fotografias intitulado
"Légendes de Catherine M.". São
nus de Millet realizados durante
30 anos por seu companheiro, o
crítico de arte Jacques Henric. Nele, Henric descreve sua amante
como "uma mulher livre, sem
sentimento de culpa, que sempre
soube ir além do pudor". A representação que ele faz de Catherine
não é idealizada. As fotos têm
uma simplicidade bressoniana.
Nenhum efeito de luz que possa
dar uma qualidade acadêmica às
imagens é utilizado. Um relato fotográfico tão essencial e direto
quanto o livro de Millet.
A mesma tendência pode ser
sentida na pintura, com o reconhecimento do trabalho de uma
jovem inglesa, Jenny Saville. Ela
mostra corpos de pessoas comuns,
em telas gigantescas. Saville foi
uma das principais atrações de
"Sensations", exposição apresentada em Nova York no ano passado. Indo em direção oposta aos
exercícios conceituais que dominaram as artes plásticas nos últimos anos, os corpos nus radicalmente imperfeitos de Jenny Savil-
le injetam realismo nos espaços
brancos, higiênicos, onde eles são
mostrados. Saville não está sozinha. Outros pintores contemporâneos caminham na mesma direção, como Eric Fischl e Vincent
Corpet.
Ainda na pintura, a retrospectiva parisiense dos quadros e desenhos eróticos de Picasso tem sido
visitada por um número impressionante de pessoas. Jovens e menos jovens têm acesso a uma obra
precursora, realizada por um artista que via o sexo como parte do
seu dia-a-dia. Percorrendo essa
exposição ou assistindo-se a "Intimidade", tem-se a impressão de
que o público também mudou.
Não há, de um lado ou do outro
do espelho, uma preocupação voyeurística com o tema. Não são só
os artistas que falam hoje de sexo
com transparência, sem artifícios.
O público reage da mesma forma.
Estamos distantes dos anos em
que filmes tão extraordinários
quanto "O Império dos Sentidos",
de Nagisa Oshima, eram considerados "pornográficos" e, por isso,
censurados em diversos países do
mundo -no Brasil, o filme de Oshima só chegou ao público com
aquelas inomináveis bolinhas
pretas que tapavam as partes do
corpo consideradas impróprias
pelos defensores da tradição, da
família e da castidade.
Melhoras à vista? Nem tanto.
De tapinha em tapinha, de garrafinha em garrafinha, tem-se a impressão de que, aqui nos trópicos,
estamos por enquanto reduzidos
a um processo de infantilização (e
mercantilização) do sexo. Já nos
Estados Unidos há um claro retrocesso em curso. A exposição de
Picasso, por exemplo, não visitará
a América conservadora de George Bush. Segundo o "Le Monde",
por pressão de todo tipo de associações religiosas ou de defesa da
moral e dos bons costumes que
pululam por lá. A batalha só faz
começar.
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