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ANÁLISE
Visão invertida marca retrato da história
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Apesar de encurtada, a incursão de "Senhora do Destino" na seara do docudrama histórico repercutiu na "Veja", na
Folha, em casa.
Por mais diversas que sejam essas fontes de opinião, elas concordam em um ponto: as seqüências
que retrataram a repressão nas
ruas do Rio de Janeiro foram excessivamente violentas.
As interpretações variam. Para
Sheila Schvarzman, com a representação pesada dos eventos de
então, a Rede Globo estaria buscando se redimir do apoio dado
ao regime na época.
Ricardo Valladares observa que
o exagero não corresponde à verdade histórica, já que, como afirma o próprio autor da novela, o
dia do AI-5, um 13 de dezembro,
teria sido estranhamente calmo.
Minha mãe e minha empregada
mudaram de canal ou desligaram
a TV para não ver cenas cinzentas
de bombas, estupros e violações
várias.
O drama daquela mãe recém-chegada à cidade grande, prestes a
ter a filha bebê seqüestrada, envolvida em uma guerra civil que
não houve, não colou.
Cada uma dessas explicações é
ao menos um pouco verdadeira.
A soma delas, acrescida da interpretação artificial de Marília Gabriela, talvez explique a abreviação da primeira parte da novela.
Em vez de terminar na quinta, o
flashback acabou já no capítulo de
quarta-feira, dando lugar a um
salto de 20 anos para um dia tão
esticado e cheio de acontecimentos que durou dois capítulos inteiros. Visões conspiratórias à parte,
a arritmia da primeira semana
pode ter a ver com uma rejeição
do público. Afinal, aquelas cenas
eram mesmo difíceis de assistir.
A história muitas vezes é contada com olhos do presente. Nesse
caso, houve uma curiosa inversão. O Nordeste miserável da seca, que na década de 60 exportou
contingentes significativos de sua
população para metrópoles sulistas, apareceu nas lentes nostálgicas de hoje, abundantemente irrigado pelas fartas águas do rio São
Francisco.
Já a ex-capital da República, na
época imaginada como oásis de
glamour, ganhou a cara que ela
tem hoje, de palco do terror.
Talvez o público, que muitas vezes é bem mais sábio do que se
imagina, tenha achado inverossímil essa transferência, para o passado, dos terrores do presente.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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