São Paulo, quarta-feira, 07 de julho de 2004

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ARTES PLÁSTICAS

Após processo de autenticação, quadro "Jovem Sentada ao Virginal" tem valor inicial de R$ 15 milhões

Pintura "privada" de Vermeer vai a leilão

TEREZA NOVAES
DO GUIA DA FOLHA

Depois do filme "Moça com Brinco de Pérola", em cartaz em São Paulo, a obra do pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1675) volta à baila com o leilão da tela "Jovem Sentada ao Virginal", que acontece hoje na casa Sotheby's, em Londres.
É o primeiro trabalho do artista a ser leiloado desde 1921. E seria quase impossível a venda não ser um evento raro, já que existem apenas 36 pinturas de Vermeer de autoria reconhecida. A autenticidade de "Jovem Sentada ao Virginal" (um instrumento de teclado e cordas) só foi confirmada no começo deste ano. Pertencente aos herdeiros do colecionador belga de origem nobre Frédéric Rolin, morto em 2002, o quadro (que mede 25,2 cm por 20 cm) é o único do pintor em acervo privado.
O processo de reconhecimento da autoria foi incentivado pelo diretor sênior do departamento de desenhos e pinturas de mestres antigos da Sotheby's, Gregory Rubinstein, a quem Rolin procurou em 1993 em busca de ajuda para descobrir a origem da pintura.
"Na época, a principal preocupação do barão Rolin era em relação à pesquisa para definir a autoria da pintura. Agora que a autenticidade foi totalmente aceita, a venda é quase uma forma de ele dizer ao mundo que sua fé na veracidade da obra não foi em vão", disse Rubinstein à Folha.
Quando Rolin adquiriu o quadro, em 1960, de um colecionador irlandês, sua autenticidade já era contestada. Desconfiava-se que "Jovem Sentada..." fosse uma das falsificações produzidas pelo holandês Han van Meegeren logo depois da Segunda Guerra.
Van Meegeren atuou durante seis anos e vendeu sete telas falsas até ser apanhado e julgado, em 1947. O caso motivou a desatribuição de outras pinturas conferidas ao mestre holandês, caso de "Jovem Sentada...". O primeiro passo do processo de reatribuição foi a análise da composição dos elementos retratados. Rubinstein ficou "intrigado" pela pintura. "Existia algo mágico nela e em algumas partes, em especial o tecido branco da saia, parecia ser exatamente como em outros quadros de Vermeer."
Em seguida, vieram testes científicos dos materiais usados na fabricação dos pigmentos. Um estudo realizado por Libby Sheldon, chefe do departamento de análise de pinturas da Universidade de Londres, apontou para uma coerência entre a técnica de Vermeer e a utilizada no feitio da pintura.
Sheldon encontrou uma substância cara, chamada ultramarine, em várias partes da pintura. O uso constante desse elemento é marca de Vermeer, mas não era praxe entre os artistas da época.
Por fim, a observação das tramas da tela por meio de exames de raio-X acusaram uma grande semelhança entre ela e o tecido usado no quadro "Fazedora de Laços", do acervo do Louvre, em Paris. "Trabalhei dez anos incentivando a discussão acadêmica sobre o quadro e reunindo um conjunto de evidências levantadas por especialistas, que vieram a confirmar a obra como um autêntico Vermeer", diz Rubinstein.
Com o processo encerrado, o quadro chega ao leilão com preço inicial de 3 milhões de libras (cerca de R$ 15 milhões). O mistério em torno do quadro faz jus à obscura biografia de Vermeer. Apesar de ser o principal nome da escola de Delft (na Holanda), pouco se sabe da vida do artista.
Os seus parcos dados biográficos advêm sobretudo dos registros da Igreja Católica: a data de batismo, o casamento com a rica Catarina, aos 20 anos, o nascimento dos filhos. Foi a partir daí e da obra de Vermeer que a inglesa Tracy Chevalier escreveu o livro "Moça com Brinco de Pérola".


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