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O universo está entre o Big Bang e o Big Crunch
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
Big Crunch não é nome de
sanduíche do McDonald's. É o
destino do universo. Leio no
"New York Times" que o neutrino tem massa.
Sabem o que isso significa?
Segundo o professor Simon
Singh, físico de partículas, o
neutrino é um dos tijolos do
universo.
O neutrino foi descoberto
quando alguns cientistas viram, perplexos, que as partículas que emanavam de um material radioativo não voavam
em todas as direções, sem rumo, mas seguiam uma trilha
clara, numa direção dada, como se fossem desviadas por algo. Esse algo só podia ser uma
cama de partículas misteriosíssimas, a que se deu o nome
de neutrino.
Agora, provou-se que ele tem
massa e pode atravessar "6 trilhões de milhas de chumbo
sem ser notado. Ele deve ser a
matéria escura que enche o
universo todo" - gemeu o
bom professor Singh.
E foi ali, lendo o "Times", senhores, que eu tive a iluminação. Por segundos, entendi o
universo, como o personagem
de Borges! E já que no Brasil só
há futebol, que o Clinton está
na China fazendo pregações
religiosas, tenho de contar-vos,
meus raros leitores, ansiosos
por uma resposta. Aqui vai o
sentido da vida. Wall...
Se existe uma partícula com
massa criando a matéria escura do universo, desconstrói-se
uma antiquíssima noção, que
é a de "sim" e a de "não". Melhor dizendo, se o invisível tem
massa, se os espaços siderais
estão preenchidos, é sinal que
não há o "nada". Nada não há.
A idéia de "nada" e de "tudo" é
uma idéia de viventes.
Como você vai morrer, o seu
cérebro se programa para imaginar que há uma coisa e não
há outra. De que há o cheio e o
vazio, de que há o vivo e o
morto. Idéia de viventes. Descartes, quando falou "penso,
logo, existo", estava dizendo
"penso, logo penso que existo".
Descartes estava apenas inventando o sujeito, ou melhor,
inventando o francês, aquele
sujeito em dúvida com uma
"baguette" debaixo do braço.
Muito bem, meus mais raros
leitores, se a matéria escura está em tudo (oh, palavra vã...)
há um aterrorizante "continuum" que nos liga a todos, os
seres "em si" e os seres "para si"
- coisas e homens. (Ah... Sartre, como essa divisão é insuficiente... Somos todos inanimados, velho mestre; o fato de desejarmos, escrevermos este artigo, não nos confere grandeza
alguma; é apenas um tremor
da matéria e energia, que nem
merece registro).
Por isso, acho que a pessoa
que andou mais perto da verdade foi Nietzsche, com sua recusa a dar ao pensamento
qualquer superioridade em relação a um rato ou uma pedra.
O leitor dirá: "Como esse leigo
ousa filosofar?". Direi, humilde: "Se o Brizola pode ser vice,
porque não posso ser metafísico?".
O neutrino o prova, tudo está
preenchido. Assim sendo, o
universo não está se expandindo na direção de um outro lugar. Não há outro lugar. O universo está se expandindo em
relação a si mesmo, para um
dia chegar a si mesmo, se bem
que não ao ponto de partida. O
tal Big Bang faz parte simultaneamente do Big Crunch, o colapso do universo sobre si mesmo, recomeçando eternamente. Estamos todos mergulhados
num caldo de cultura infinito,
onde parece que boiamos; apenas parece, pois somos também o caldo onde boiamos.
A mosca e a sopa são a mesma coisa. A filosofia moderna
celebrou o fim do sujeito, mas
agora estamos perto do fim do
objeto. Portanto, não há objeto, porque só pode haver sujeito e objeto se houver intervalo,
vazios, diferença. Não há. Mas,
continuando esse brilhante raciocínio (como vocês vêem, estou ficando louco...), vemos
que a ciência jamais escapará
da tautologia, da "cocada do
coco do coqueiro", apesar dos
seus maravilhosos feitos, pois a
ciência acha que chegaremos a
um fim, a uma espécie de revelação, como se, seguindo a "estrada de tijolo amarelo" chegássemos a Deus ou, pelo menos, ao Mágico de Oz.
A ciência pensa que é ciência, mas é arte. Ou melhor,
"entertainment". A ciência vai
colapsar um dia sobre si mesma, como o universo. E não só
não encontraremos ninguém,
nem nada, porque o "nada"
não há, nem "ninguém" não
há, como também nada se definirá, nem energia nem matéria, pois as duas são a mesma
coisa, uma se bombeando para
dentro da outra, numa trepada eterna de desmanches e recomposições, ali nas quebradas dos buracos negros.
Assim, a física moderna tira-nos qualquer esperança de
encontrarmos uma resposta, o
que não é necessariamente
uma coisa ruim, pode ser até o
início de uma nova arte de ser.
Se não vamos chegar a nada,
podemos descansar, pois nosso
labor diminui; não temos de
descobrir resposta para nada,
não porque Deus não exista,
porque, obviamente, Deus
existe sim; ou melhor, Deus
existe não como coisa a ser
atingida. Deus, senhores, é esse
eterno oscilar (arghhh!...) entre matéria e energia, entre os
"quarks" mais remotos e as
grandes galáxias.
Há uma correspondência
"ôntica" entre as estrelas e nosso sistema de vida e morte, de
"sim" e "não". Nós fazemos
parte dessa oscilação e, nesse
eterno piscar, existimos, se é
que essa palavra se aplica a algo. Nada "ex-iste", no sentido
de estar fora de algo, "ex-sistere" (estar em pé, do lado de fora - fora de quê, saiu "de dentro" de onde?). Em verdade, em
verdade vos digo, oh, raríssimos leitores, que Deus existe,
mas não é pai. É tão órfão como nós, um Deus-matéria, órfão de si mesmo. A única coisa
que nos resta não é o desespero, essa carência de viventes
em crise; o que nos resta, meus
dois leitores, é a grande paz da
ausência de esperança.
A razão humana devia se redesenhar, não em Big Bang,
indo em direção a um futuro.
A razão tinha de ser um Big
Crunch, mordendo o próprio
rabo, voltada para dentro, para nós, os homens, para nosso
prazer e saúde. Como a arte,
celebração desse tremor entre
a matéria e energia, desse findar-se começando, desse sim e
não, o "sim-não", como uma
fita de Moebius.
Portanto, já que o Brasil político não anda, já que o
PMDB teve o Big Crunch, já
que Paes de Andrade existe, eu
fundo aqui, oh, incréus, um
novo panteísmo pós-moderno,
pós-spinoziano, um panteísmo
materialista, com um Deus que
não "ex-iste".
Esse é o sentido da vida, não
há mais desculpa. os neutrinos
são multiculturalistas, globalizantes, tolerantes e democráticos. Somos todos iguais; sejamos felizes! O Brasil é a prova
do Big Crunch!
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