São Paulo, terça, 7 de julho de 1998

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O universo está entre o Big Bang e o Big Crunch

ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas


Big Crunch não é nome de sanduíche do McDonald's. É o destino do universo. Leio no "New York Times" que o neutrino tem massa.
Sabem o que isso significa? Segundo o professor Simon Singh, físico de partículas, o neutrino é um dos tijolos do universo.
O neutrino foi descoberto quando alguns cientistas viram, perplexos, que as partículas que emanavam de um material radioativo não voavam em todas as direções, sem rumo, mas seguiam uma trilha clara, numa direção dada, como se fossem desviadas por algo. Esse algo só podia ser uma cama de partículas misteriosíssimas, a que se deu o nome de neutrino.
Agora, provou-se que ele tem massa e pode atravessar "6 trilhões de milhas de chumbo sem ser notado. Ele deve ser a matéria escura que enche o universo todo" - gemeu o bom professor Singh.
E foi ali, lendo o "Times", senhores, que eu tive a iluminação. Por segundos, entendi o universo, como o personagem de Borges! E já que no Brasil só há futebol, que o Clinton está na China fazendo pregações religiosas, tenho de contar-vos, meus raros leitores, ansiosos por uma resposta. Aqui vai o sentido da vida. Wall...
Se existe uma partícula com massa criando a matéria escura do universo, desconstrói-se uma antiquíssima noção, que é a de "sim" e a de "não". Melhor dizendo, se o invisível tem massa, se os espaços siderais estão preenchidos, é sinal que não há o "nada". Nada não há. A idéia de "nada" e de "tudo" é uma idéia de viventes.
Como você vai morrer, o seu cérebro se programa para imaginar que há uma coisa e não há outra. De que há o cheio e o vazio, de que há o vivo e o morto. Idéia de viventes. Descartes, quando falou "penso, logo, existo", estava dizendo "penso, logo penso que existo".
Descartes estava apenas inventando o sujeito, ou melhor, inventando o francês, aquele sujeito em dúvida com uma "baguette" debaixo do braço. Muito bem, meus mais raros leitores, se a matéria escura está em tudo (oh, palavra vã...) há um aterrorizante "continuum" que nos liga a todos, os seres "em si" e os seres "para si" - coisas e homens. (Ah... Sartre, como essa divisão é insuficiente... Somos todos inanimados, velho mestre; o fato de desejarmos, escrevermos este artigo, não nos confere grandeza alguma; é apenas um tremor da matéria e energia, que nem merece registro).
Por isso, acho que a pessoa que andou mais perto da verdade foi Nietzsche, com sua recusa a dar ao pensamento qualquer superioridade em relação a um rato ou uma pedra. O leitor dirá: "Como esse leigo ousa filosofar?". Direi, humilde: "Se o Brizola pode ser vice, porque não posso ser metafísico?".
O neutrino o prova, tudo está preenchido. Assim sendo, o universo não está se expandindo na direção de um outro lugar. Não há outro lugar. O universo está se expandindo em relação a si mesmo, para um dia chegar a si mesmo, se bem que não ao ponto de partida. O tal Big Bang faz parte simultaneamente do Big Crunch, o colapso do universo sobre si mesmo, recomeçando eternamente. Estamos todos mergulhados num caldo de cultura infinito, onde parece que boiamos; apenas parece, pois somos também o caldo onde boiamos.
A mosca e a sopa são a mesma coisa. A filosofia moderna celebrou o fim do sujeito, mas agora estamos perto do fim do objeto. Portanto, não há objeto, porque só pode haver sujeito e objeto se houver intervalo, vazios, diferença. Não há. Mas, continuando esse brilhante raciocínio (como vocês vêem, estou ficando louco...), vemos que a ciência jamais escapará da tautologia, da "cocada do coco do coqueiro", apesar dos seus maravilhosos feitos, pois a ciência acha que chegaremos a um fim, a uma espécie de revelação, como se, seguindo a "estrada de tijolo amarelo" chegássemos a Deus ou, pelo menos, ao Mágico de Oz.
A ciência pensa que é ciência, mas é arte. Ou melhor, "entertainment". A ciência vai colapsar um dia sobre si mesma, como o universo. E não só não encontraremos ninguém, nem nada, porque o "nada" não há, nem "ninguém" não há, como também nada se definirá, nem energia nem matéria, pois as duas são a mesma coisa, uma se bombeando para dentro da outra, numa trepada eterna de desmanches e recomposições, ali nas quebradas dos buracos negros.
Assim, a física moderna tira-nos qualquer esperança de encontrarmos uma resposta, o que não é necessariamente uma coisa ruim, pode ser até o início de uma nova arte de ser.
Se não vamos chegar a nada, podemos descansar, pois nosso labor diminui; não temos de descobrir resposta para nada, não porque Deus não exista, porque, obviamente, Deus existe sim; ou melhor, Deus existe não como coisa a ser atingida. Deus, senhores, é esse eterno oscilar (arghhh!...) entre matéria e energia, entre os "quarks" mais remotos e as grandes galáxias.
Há uma correspondência "ôntica" entre as estrelas e nosso sistema de vida e morte, de "sim" e "não". Nós fazemos parte dessa oscilação e, nesse eterno piscar, existimos, se é que essa palavra se aplica a algo. Nada "ex-iste", no sentido de estar fora de algo, "ex-sistere" (estar em pé, do lado de fora - fora de quê, saiu "de dentro" de onde?). Em verdade, em verdade vos digo, oh, raríssimos leitores, que Deus existe, mas não é pai. É tão órfão como nós, um Deus-matéria, órfão de si mesmo. A única coisa que nos resta não é o desespero, essa carência de viventes em crise; o que nos resta, meus dois leitores, é a grande paz da ausência de esperança.
A razão humana devia se redesenhar, não em Big Bang, indo em direção a um futuro. A razão tinha de ser um Big Crunch, mordendo o próprio rabo, voltada para dentro, para nós, os homens, para nosso prazer e saúde. Como a arte, celebração desse tremor entre a matéria e energia, desse findar-se começando, desse sim e não, o "sim-não", como uma fita de Moebius.
Portanto, já que o Brasil político não anda, já que o PMDB teve o Big Crunch, já que Paes de Andrade existe, eu fundo aqui, oh, incréus, um novo panteísmo pós-moderno, pós-spinoziano, um panteísmo materialista, com um Deus que não "ex-iste".
Esse é o sentido da vida, não há mais desculpa. os neutrinos são multiculturalistas, globalizantes, tolerantes e democráticos. Somos todos iguais; sejamos felizes! O Brasil é a prova do Big Crunch!



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