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BIOGRAFIA
Um conturbado itinerário ideológico
Autor mais divulgado no exterior, Amado foi militante do Partido Comunista e deputado constituinte em 1946
JANER CRISTALDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Escritor e jornalista, viajante inveterado, autor brasileiro mais divulgado no exterior, ex-militante
do Partido Comunista, deputado
constituinte em 46. Oba Otum
Arolu do candomblé Axé Opô
Afonjá na Bahia, membro da Academia Brasileira de Letras.
Jorge Amado nasceu em uma
fazenda de cacau, em 10 de agosto
de 1912, no então recém-criado
município de Itabuna, na Bahia.
Em um século marcado pelo nazismo e pelo marxismo, o autor
vai desenvolver um conturbado
itinerário ideológico e literário.
Em função de sua militância no
PC, no início de sua trajetória foi
traduzido na China, Coréia, Vietnã e ex-União Soviética.
Em 1914, a família muda-se para
o município vizinho de Ilhéus.
Em 22, transfere-se para Salvador,
onde é aluno interno do Colégio
Antonio Vieira. Em 26, foge e se
refugia na casa do avô, em Sergipe. No ano seguinte, o pai o traz
de volta para Salvador.
Em 1930, transfere-se para o
Rio, onde publica seu primeiro
romance. "País do Carnaval", publicado pela editora do poeta integralista Augusto Frederico
Schmidt. Em 33, publica "Cacau",
apreendido pela polícia carioca.
Em 36, é preso no Rio, em consequência da Intentona de 35, tentativa de tomada do poder ordenada pelo Kremlin e liderada no
Brasil por Luís Carlos Prestes.
Em uma reunião do PC, é denunciado por Oswald de Andrade
como "espião barato do nazismo"
e instado pelo escritor paulista a
retirar-se de São Paulo.
Em 45, é eleito deputado federal
pelo Partido Comunista e publica
"Vida de Luís Carlos Prestes, o
Cavaleiro da Esperança". Em 46,
como constituinte, assina a quarta Constituição Brasileira. Dois
anos depois, seu mandato é cassado em virtude do cancelamento
do registro do PC. Neste mesmo
ano, 1948, fixa residência em Paris, onde convive, entre outros,
com Sartre, Aragon e Picasso.
Em 1950, passa a residir no Castelo da União de Escritores, em
Dobris, na ex-Tcheco-Eslováquia,
onde escreve "O Mundo da Paz",
uma ode a Lênin, Stálin e ao ditador albanês Envers Hodja. No ano
seguinte, recebe em Moscou o
Prêmio Stálin Internacional da
Paz. Em 61, lança "Os Velhos Marinheiros", considerado um dos
melhores momentos de sua literatura. Nesse ano, é eleito membro
da Academia Brasileira de Letras,
instituição que havia apedrejado e
insultado sua juventude.
No discurso de posse, reiterou
sua oposição à Casa: "Chego a
vossa ilustre companhia com a
tranquila satisfação de ter sido adversário desta instituição naquela
fase da vida em que devemos ser
necessária e obrigatoriamente
contra o assentado e o definitivo".
Com três dezenas de livros publicados, Amado tem uma obra
dividida em duas fases muitos nítidas. Na primeira -que termina
em 1954, com "Subterrâneos da
Liberdade"-, sob a influência da
tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia em 1917, o autor
está preocupado com a difusão
das idéias socialistas e não hesita
em recorrer ao panfleto. Na segunda, que se inicia em 58 com
"Gabriela, Cravo e Canela", passa
a fazer uma literatura eivada de tipos folclóricos baianos.
O romancista baiano foi introdutor nas letras brasileiras do realismo socialista, confecção literária para a pregação do ideário comunista, concebida pelos russos
Maxim Gorki, Anatoli Lunacharski, Alexander Fadéev e sistematizada por Andrei Zdanov.
O novo gênero, também conhecido como zdanovismo, o único
tolerado na ex-União Soviética
durante o stalinismo, está manifesto fundamentalmente na trilogia "Subterrâneos da Liberdade".
Com o 20º Congresso do PCUS,
em fevereiro de 56, na qual Nikita
Krushev denuncia os crimes do
stalinismo, o escritor abandona o
realismo socialista e faz uma reavaliação de sua opção ideológica.
Escritor de sucesso junto ao público, é visto com reticências pelo
mundo acadêmico. Escreve o crítico Alfredo Bosi: "Cronista de
tensão mínima, soube esboçar
largos painéis coloridos e facilmente comunicáveis que lhe franqueariam um grande e nunca desmentido êxito junto ao público.
Ao leitor curioso e glutão a sua
obra tem dado de tudo um pouco:
pieguice e volúpia em vez de paixão, estereótipos em vez de trato
orgânico dos conflitos sociais (...)
O populismo literário deu uma
mistura de equívocos, e o maior
deles será por certo o de passar
por arte revolucionária. No caso
de Jorge Amado, porém, bastou a
passagem do tempo para desfazer
o engano".
Sobre o seu passado stalinista,
nega-se a maiores comentários.
Em "Navegação de Cabotagem",
declara: "Durante minha trajetória de escritor e cidadão tive conhecimentos de fatos, causas e
consequências, sobre os quais
prometi guardar segredo, manter
reserva." Prisioneiro de suas contradições, Amado subtrai com seu
silêncio um precioso acervo à memória do século 20.
Janer Cristaldo, doutor em letras francesas e comparadas pela Universidade
de Sorbonne (França), é jornalista e tradutor
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