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Na "Bahia de Todos os Santos", só a vida importa
ALBERT CAMUS
Um livro magnífico e prodigioso. Se é verdade que o romance é
antes de tudo ação, esse é um modelo do gênero. E nele se lê claramente o que pode haver de fecundo em uma certa barbárie livremente consentida. Pode ser instrutivo para todos ler "Bahia de
Todos os Santos" ao mesmo tempo, por exemplo, que o último romance de Giraudoux, "Choix des
Élus" (Escolha dos Eleitos). Porque esse último figura exatamente
numa certa tradição de nossa literatura atual, que se especializou
no gênero "produto superior da
civilização". Desse ponto de vista,
a comparação com Amado é decisiva.
Poucos livros se afastam tanto
dos jogos gratuitos da inteligência. Vejo nele ao contrário uma
utilização emocionante dos temas
folhetinescos, um abandono à vida no que ela tem de excessivo e
desmesurado. Da mesma forma
que a natureza não teme de quando em quando o gênero "cartão-postal", assim as situações humanas são frequentemente convencionais. E uma situação convencional bem concebida é própria
das grandes obras.
Em uma grande capital aberta
para o mar, Antônio Balduíno,
negro, pobre e iletrado, tem a experiência da liberdade. Experimentar a liberdade é primeiro se
revoltar. O tema do romance, se
há um, é a luta contra as servidões
de um negro, miserável e iletrado,
e essa exigência de liberdade que
ele sente em si mesmo. É a busca
apaixonada de um ser elementar à
procura de uma revolta autêntica.
É uma revolta que faz do negro
um boxeador, e um boxeador
triunfante. É uma revolta que leva
o miserável a recusar todo trabalho organizado e a viver esplendidamente as alegrias da carne. Beber, dançar, amar as mulatas, a
noite, diante do mar, tantas riquezas inalienáveis, conquistadas à
força da virilidade. E é ainda uma
revolta, essa mais sutil e nascida
no mais profundo do coração,
que leva o negro ignorante a cantar com seu violão e compor admiráveis canções populares.
Mas todas essas revoltas combinadas não fazem uma alma confiante. Se Antônio Balduíno vive
com todas as suas forças, ele não
está, contudo, satisfeito. Que uma
greve aconteça, e ele se lançará inteiro no movimento. E ele reconheceu então a única revolta válida e satisfatória, a revolução. É essa ao menos a conclusão do autor.
Eu não sei se ela é verdadeira, mas
o que é psicologicamente verdadeiro é que o herói de Amado encontra então o sentido de uma
fraternidade que o livra da solidão. E está na natureza desse ser
instintivo satisfazer-se absolutamente com isso.
De resto, que não nos enganemos. Não se trata de ideologia em
um romance em que toda a importância é dada à vida, quer dizer, a um conjunto de gestos e de
gritos, a uma certa ordenação de
impulsos e de desejos, a um equilíbrio do sim e do não e a um movimento apaixonado que não se
acompanha de nenhum comentário. Não se discute sobre o
amor. Basta amar e com toda a
carne. Não se encontra uma palavra de fraternidade no livro, mas
mãos de negros e mãos de brancos (não muitas) que se apertam.
E o livro inteiro é escrito como
uma série de gritos e melopéias,
de avanços e retornos. A ele, nada
é indiferente. Tudo é emocionante. Mais uma vez, os romancistas
americanos nos fazem sentir o vazio e o artifício de nossa literatura
romanesca.
Uma última palavra: Jorge
Amado tinha 23 anos quando publicou este livro. Ele foi expulso
do Brasil por tê-lo vivido antes de
tê-lo escrito.
O artigo acima foi escrito pelo romancista francês nascido na Argélia Albert Camus (1913-1960) para a coluna "Salon de
Lecture" do jornal "Alber Republicain" de
9 de abril de 1939 e republicado pela
"Folha da Manhã"
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