JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Um filme baseado numa novela em forma de peça teatral sobre um personagem que escreve, num conjugado carioca, "o romance da sua geração". É isso, em resumo, "Um Romance de Geração", de David França Mendes. A bem dizer, o tal personagem, o escritor Carlos Santeiro, não escreve nada. Só ameaça.
Ele diz que vai fazer e acontecer a uma jornalista que o entrevista no apartamento, mas passa o tempo todo bebendo vodca e tentando levá-la para a cama.
No filme, a obra de Sérgio Sant'Anna, que já era autoirônica e metalinguística ao extremo, ganha novas camadas, novos registros, fundos falsos.
O próprio Sant'Anna, que define seu livro como "teatro-ficção", aparece em cena, participando de discussões e leituras dramáticas com o diretor, elenco e equipe, na preparação de uma montagem virtual do texto como peça. Aqui, o filme tem um ponto de contato com "Moscou", de Eduardo Coutinho, outra estreia de hoje.
Sant'Anna fala também sobre as diferenças culturais, políticas e morais da época em que fez o livro (1979) e os tempos atuais. Desmistifica, por exemplo, a visão idílica da permissividade sexual dos anos 70.
Um dos achados do diretor França Mendes, além da exposição contínua do fazer literário, teatral e cinematográfico, foi a escalação de três atrizes (Lorena da Silva, Susana Ribeiro e Nina Moreira) para viver, alternadamente, o papel da jornalista. Multiplicou assim as nuances do feminino, que tanto excitam, desconcertam e entediam Santeiro (Isaac Bernat).
Misturando em sua textura ficção, teatro e documentário, "Um Romance de Geração" só perde força quando a música assume um tom enfaticamente jocoso, redundando com o jogo cômico dos atores e ameaçando rebaixar tudo ao humor padrão das "sitcoms" televisivas. Mas, na maior parte do tempo, o filme, que venceu no ano passado o Festival do Rio, conjuga a contento invenção e diversão.
E a um custo mínimo. Quem pode querer mais?