São Paulo, sexta, 7 de agosto de 1998

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FESTIVAL DE CINEMA JUDAICO
"Nobody's' reconstitui saga familiar

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

"Não É da Conta de Ninguém" ("Nobody's Business"), do norte-americano Alan Berliner, é um documentário exemplar.
Não no sentido de modelo a ser imitado, mas de prova viva da riqueza que o gênero pode alcançar, quando existe talento, paixão e criatividade.
Numa definição sumária, o filme seria a reconstituição do passado e do presente de uma família judia americana a partir do diálogo entre um filho (o diretor do filme) e seu pai (o comerciante aposentado Oscar Berliner).
Mas esse resumo dá, quando muito, uma pálida imagem do que é esse documentário admirável.
Alan Berliner parte de uma interdição -o pai não quer falar sobre o passado- para construir um surpreendente quebra-cabeças em que se misturam filmes domésticos, depoimentos de pessoas vivas, imagens de arquivo, música, ruídos, silêncio.
Com base em pesquisas realizadas no Leste Europeu e no arquivo da Biblioteca de História Familiar (em Salt Lake City, EUA), somadas aos depoimentos do pai, da mãe, da irmã e de primos espalhados pelo país, o cineasta reconstitui o passado de sua família.
Vamos conhecendo então a rica saga dos Berliner e, secundariamente, dos Cassuto. O avô paterno de Alan veio da Polônia para os EUA na virada do século. O avô materno (retratado no filme "Íntimo Estranho") nasceu na Palestina, viveu no Egito e no Japão antes de imigrar para a América.
O pai de Alan, Oscar, lutou no Exército americano na Segunda Guerra, período que considera "o mais feliz da sua vida", talvez por ter-lhe dado o sentimento de pertencer ativamente a um país.
Lacônico e carrancudo, o velho Berliner resiste entretanto aos pedidos do filho para que fale sobre seus antepassados e sobre seus parentes espalhados pelo mundo: "Isso não é da conta de ninguém".
O filme vai mostrar o contrário. Seu maior mérito, do ponto de vista intelectual e moral, é o de mostrar que qualquer vida, por mais obscura que pareça à primeira vista, diz respeito a todos os homens e a cada um em particular. O depoimento mais pessoal é também o mais universal.
"Somos estranhos que compartilham uma história comum", diz um dos primos distantes entrevistados por Alan. Ele falava da família, mas podemos estender suas palavras a toda a humanidade.
Esse humanismo radical -análogo ao de um John Donne- não vem sob a forma de retórica.
Berliner sabe que está fazendo cinema e não perde de vista os valores próprios de sua linguagem: o ritmo, o diálogo som-imagem, a surpresa, o humor.
Seu filme não tem nenhum momento aborrecido ou vulgar. É uma festa para os olhos e para o espírito.

Filme: Não É da Conta de Ninguém Produção: EUA, 1996, 60 min Direção: Alan Berliner Quando: hoje, às 21h, no Museu da Imagem e do Som - MIS (av. Europa, 158, tel. 011/852-9197)


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