São Paulo, sexta, 7 de agosto de 1998

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"Domésticas" expõe os talentos de Renata Melo

da Reportagem Local

O cenário de "Domésticas" é todo branco, como as paredes de azulejo de uma cozinha ou de uma área de serviço. Ao fundo, no centro, saindo do nada, um fio grosso de plástico como aqueles que seguram varais de secar roupa em apartamento. Sugere a forma de uma forca.
"Domésticas", espetáculo criado, dirigido e interpretado por Renata Melo, à primeira vista é alegre, ligeiro, como seu cenário branco. Poderia, sem equívoco, ser descrito como uma comédia.
Mas, nos retratos que vai fazendo das empregadas domésticas, de seu cotidiano de fantasias e frustrações, o fundo é sombrio como a forca.
São diversos quadros criados por Renata Melo -artista consagrada na dança e que agora se estabelece também no teatro- a partir de inúmeras entrevistas com empregadas. Ela recriou as falas e editou, em quadros, cenas sem maior conexão entre si.
Num deles (mais de um, na verdade, avança pelo tema) as três empregadas da encenação filosofam sobre a morte.
Em outro, uma empregada doméstica negra lembra que uma antepassada sua "foi escrava" e que sua mãe foi, como ela própria, empregada. Enfim, que não há diferença maior entre uma e outra. Não muito resignada, diz que também a sua "missão é mesmo ser doméstica".
Em outro quadro ainda, as empregadas repetem, como numa ladainha cômica, "nasce, morre, nasce, morre, nasce, morre".
O tema não é fácil, num país em que a diferença social é mitigada, sobretudo em seus pontos de conflito direto, pessoal, por hipocrisia ou cinismo.
Mas Renata Melo seduz como numa armadilha. As suas "domésticas" não ficam muito a dever à Olímpia de "Trair e Coçar" e demais caricaturas farsescas de empregadas no teatro e na representação em geral.
O que poderia ser reforço de preconceito, porém, resulta a cada quadro em maior singeleza, maior humanidade, maior igualdade, enfim.
Um belo espetáculo, em que o cuidado com a expressividade formal, evidente no cenário sempre imaginoso e jamais gratuito de Daniela Thomas, se estende às coreografias da própria Renata Melo.
São movimentos repetitivos inspirados nos serviços "domésticos", mas sublinhados no que têm de mecanização, a ponto de provocar certo desconforto no espectador -e também o riso, fazendo até lembrar os "Tempos Modernos", de Chaplin.
(NS)


Peça: Domésticas
Quando: qui. a sáb., às 21h30; dom., às 20h30
Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 011/277-3611)
Quanto: R$ 12
Patrocinador: PEM Engenharia



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