São Paulo, sexta, 7 de agosto de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO - CRÍTICA
"Yerma" aproxima García Lorca do Brasil

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

É difícil imaginar um encenador, hoje no país, mais indicado para dirigir, melhor ainda, para aproximar Federico García Lorca (1898-1936) dos brasileiros.
Romero de Andrade Lima carrega na carreira e no sangue -ele que se tornou "armorial" ouvindo de Ariano Suassuna, em casa- um ideal estético que não distingue fronteiras claras entre o Nordeste e a Península Ibérica.
Desde a sua primeira encenação, um celebrado "Auto da Paixão", cinco anos atrás, o artista plástico pernambucano parece erguer pontes com o mesmo passado em que o poeta espanhol se inspirou para escrever, entre outras, "Yerma".
São fontes como a "era de ouro" espanhola e as tragédias gregas -além do brilho e das sombras do catolicismo.
"Yerma" é uma tragédia, como se esforçou por caracterizar Lorca, escrita logo depois dos anos que o poeta passou com La Barraca, companhia ambulante que apresentava textos clássicos espanhóis para platéias populares.
Uma tragédia em que um apelo da "natureza", a maternidade, conflita com uma exigência da "honra", da família. Yerma deseja um filho que o marido não lhe permite ter, mas ao mesmo tempo se nega a traí-lo.
Não há um argumento, mas um acúmulo de tensão e de imagens, nos quadros poéticos que o autor escreveu. Romero de Andrade Lima encena os quadros com o lirismo que era marca do poeta.
Mais uma vez, é na música, na percussão, sobretudo no coro, que se sustenta muito do envolvimento e da concentração alcançados pelo espetáculo da companhia Circo Branco.
Envolvimento que surpreende, pelo formato do projeto Lorca na Rua, de apresentação em caminhões, em praça pública. A primeira e única apresentação em São Paulo, anteontem, foi na praça da Sé no início da noite.
(Por sinal, Lorca na Rua é um dos mais belos projetos criados para o teatro, nesta década, iniciando no centro de São Paulo uma viagem que leva a dezenas de pequenas cidades.)
Mas a novidade maior do espetáculo, em se tratando de Andrade Lima e do Circo Branco, é a qualidade da interpretação, que não se reconhecia antes.
Além do amadurecimento dos próprios atores do grupo, de que é exemplo maior Edna Aguiar, a montagem incorpora atores jovens revelados nos últimos dois ou três anos. É o caso de Gustavo Machado, que faz o marido, João.
Ele e Edna Aguiar formam o mais inusitado casal, no palco. Mas, em meio ao burburinho sem fim na praça da Sé, eles seguem num trilho próprio, de crescente confronto e, estranhamente, crescente amor.
São levados, com certeza, pelo gênio dramático de Lorca, mas também, ao que parece, por uma mais experiente direção de atores, de Andrade Lima.
Não que "Yerma" busque perfeição formal. Como tem mostrado em suas últimas peças, o encenador cada vez menos se atém ao rigor, à exatidão -em busca de uma proximidade maior com um teatro popular.
Que o diga o espanhol da adaptação. "Yerma" é representada no original, ou no que um brasileiro, nas ruas, imaginaria ser um original espanhol.


Peça: Yerma Próximas apresentações: dia 10, em Pirassununga; dia 11, em São José do Rio Preto; dia 12, em Leme; dia 13, em Porto Ferreira Informações: 011/234-3000, ramal 3081 Patrocinador: Sesc


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.