São Paulo, quinta-feira, 07 de setembro de 2000

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"AS REGRAS DA VIDA"

Filme tira EUA do papel de juiz e o coloca no banco dos réus

TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A princípio , "As Regras do Jogo" parece apenas mais um daqueles filmes militaristas feitos para ostentar o poderio bélico americano e atender à demanda do público nativo pelo velho teatro guerreiro. Mais uma celebração, portanto, do inquebrantável casamento entre as indústrias bélica e cinematográfica, responsável, em larga escala, pela hegemonia mundial americana.
É assim que os helicópteros do Exército americano aproximam-se do Iêmen para salvar seu embaixador, ameaçado pelo surto de alguns islâmicos fundamentalistas, nos moldes da velha e maniqueísta montagem paralela griffithiana. Mas, desta vez, ainda que a família do embaixador e a maculada bandeira americana sejam salvas, a nação não sairá incólume. O inimigo, a exemplo da saudável tradição hollywoodiana dos anos 50, não está mais no exterior: é o próprio instinto belicista americano, encarnado aqui no coronel Childers (Samuel L. Jackson), um perfeito "animal de guerra".
Líder da tal operação de resgate, o coronel, depois de sofrer algumas baixas, manda atirar na raivosa multidão árabe, chacinando 83 pessoas, crianças e mulheres na maioria. Está deflagrada uma crise internacional. Os EUA passam a ter sua representatividade diplomática no Oriente Médio ameaçada. Decidido a eximir-se de responsabilidades, o governo leva Childers ao tribunal. O jogo será pesado.
Hollywood prova, mais uma vez, em "As Regras do Jogo", que pode passar sem novas safras de grandes diretores (nada mais burocrático do que a direção de William Friedkin aqui), mas não de bons roteiristas. E a grande jogada desse roteiro de Stephen Gaghan, inspirado numa história de James Webb, é não deixar espaço para a identificação do espectador. Entre o jogo sujo do governo e o instinto homicida recalcado do patriótico coronel, cuja exemplar carreira se erigiu sobre muitos cadáveres, só encontramos algum socorro no drama de consciência vivido pelo oficial encarregado de defender Childers, seu ex-companheiro de front no Vietnã (Tommy Lee Jones).
Mas, sejam brancos ou negros, militares de boa família ou de carreira, fundamentalistas ou embaixadores, todos mentem por aqui. Cada um com suas regras, suas prioridades e normas de conduta. O que está em julgamento, afinal, é a capacidade de uma América hegemônica, tornada dona do mundo, de normatizar suas próprias regras de dominação. Assim, o mundo inteiro será convocado a prestar testemunho neste que se revela um bom e velho filme de tribunal americano. A diferença aqui é que a América já não é juíza, mas ré.


As Regras do Jogo
Rules of Engagement
   
Direção: William Friedkin
Produção: EUA, 2000
Com: Samuel L. Jackson, Tommy Lee Jones, Ben Kingsley
Quando: a partir de hoje, nos cines Iguatemi 1, Marabá e circuito




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