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CARLOS HEITOR CONY
Lady Di: cúmplice e vítima
Ao contrário da Inês
cantada por Camões,
nem depois de morta a princesa Diana foi rainha
ENTRE AS coisas inúteis que fiz,
a mais cansativa foi a de me
apertar num poleiro da catedral de São Paulo, em 1981, para assistir ao casamento do príncipe de
Gales com uma professorinha que
estava sendo vendida como plebéia,
chamada Diana.
Tarefa profissional apenas, que
me obrigou a cumprir o complicado
calvário entre embaixadas e agências de notícias para descolar a credencial que dava, ao fotógrafo Antônio Rudge e a mim, o direito que estava sendo disputado -segundo me
disseram- por mais de 10 mil jornalistas de todo o mundo.
Na época, escrevi umas cinco ou
seis matérias para as finadas "Manchete" e "Fatos&Fotos", dando conta do pouco que vi e do muito que
procurei adivinhar naquela cerimônia que foi considerada "o casamento do século". Três detalhes me impressionaram. Primeiro: o pai da
noiva, Lord Spencer, adentrou a bela
catedral de Cristóvão Wren cambaleante, não era ele que apoiava a filha mas a filha que o apoiava, para
que não desabasse antes de chegar
ao altar. Devia ter exagerado no gim
-bebida a que era chegado, só perdendo a "pole position" para a rainha-mãe, avó do noivo, também
chegada ao gim sem tônica. Por duas
ou três vezes, mesmo amparado pela noiva, ele ameaçou se despencar
nos bancos cheios de convidados da
nobreza mundial.
Segundo: o príncipe Charles estava simples e belamente apavorado,
com medo de cometer alguma gafe.
Não olhava para ninguém, somente
para a mãe, a rainha Elizabeth 2ª,
que o esperava no altar com cara e
postura da professora de boas maneiras rastreando a performance de
seu aluno mais caro. Até mesmo na
hora do "sim", antes de pronunciá-lo, ele olhou para a mãe. Deviam ter
ensaiado um código: um piscar de
olhos ou uma cabeça baixa consagraria um casamento ou um escândalo.
Terceiro: a própria noiva em si.
Apesar da pompa e circunstância,
aos compassos da marcha homônima de Elgar, era toda modéstia e
pasmo, a Cinderela que encontrara
o encantamento de um príncipe de
carne e osso, herdeiro de um trono
de verdade.
Tudo era festa então, dentro e fora
da catedral. Mais tarde, os dois apareceram na sacada do palácio real, o
povo delirava, não pedia bis como
nas óperas, mas o beijo tradicional e
obrigatório de dois noivos que afinal
estavam casados. E o beijo não vinha. Eu precisava daquele beijo para
a capa do número especial das revistas para as quais trabalhava, Rudge
entrava em desespero, a sua lente
mais poderosa assestada para o casal. E nada de beijo.
Os dois se retiraram da sacada,
mas a gritaria do povo aumentou, tiveram de voltar. Afinal, o beijo rápido, protocolar, a nobreza obriga e o
povo ficou satisfeito, começou a
cantar, que Deus salvasse a rainha
-não a rainha que estava lá dentro,
de cara amarrada, mas a futura rainha, toda branca, parecia feita de espuma e neve.
Semana passada, houve um entupimento nos canais da televisão com
filmes, documentários e programas
celebrando os dez anos da morte da
moça que, ao contrário da Inês cantada por Camões, nem depois de
morta foi rainha. Parcela considerável da opinião pública considera que
a mídia a matou, pagando fortunas
aos paparazzi por fotos consideradas quentes e capazes de aumentar
as vendas. Do bravo Antônio Rudge,
que esperou um tempão para ter a
foto dela beijando o marido, logo
após o casamento, aos fotógrafos
que a perseguiram pelas ruas de Paris naquele 31 de agosto de 1997,
Lady Di foi mais cúmplice do que vítima da sociedade que quer saber
"tudo" e de alguma forma paga para
ser informada.
Um dos documentários exibidos
na TV mostra Diana e seu mais recente namorado, no iate do pai de
Dodi, naquele que seria o último
passeio dos dois. De repente, o rapaz
repara que estão sendo seguidos por
uma lancha cheia de fotógrafos. Reclama de seus seguranças, responsáveis por sua privacidade: "Como foi
que eles souberam do nosso passeio?". Moça honesta, Diana respondeu: "Fui eu que avisei".
Dois dias depois, no hotel Ritz, em
Paris, ela e o namorado quiseram
jantar fora. Tudo indicava que ele a
pediria em casamento. Desta vez,
não foi ela que avisou: os fotógrafos
estavam lá, adivinhando que alguma
coisa podia acontecer. A foto de Dodi colocando o anel de noivado no
dedo de Diana valeria alguns milhões de dólares. Bem informada, a
sociedade pagaria.
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