|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Está na hora da nova etapa da Lei do Audiovisual
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
Sonia Braga vem no avião
com Bill Clinton, disseram-me.
Que tem isso demais? Nada.
Mas é interessante. São os EUA
fazendo uma antropofagia ao
contrário, uma política da boa
vizinhança de cima para baixo. É supersimpático, e nós, tapuias, acharemos o máximo.
Esse gesto diplomático é uma
ficção, como um filme americano dos anos 30, o tempo em
que Carmen Miranda subiu do
getulismo ao capitalismo para
iluminar a depressão americana pós-"crash" e garantir a
importação de seus produtos
por nós.
Volta no avião do presidente
é uma "prova" de que teríamos "conquistado" um pouco
a América, de que nossos produtos costumam penetrar em
seu rico mercado. É a antimiçanga, o antiespelhinho.
Sonia foi um dos raros orgulhos de nossa cultura que entraram no cinema deles, a duras penas (eu sei o que Sonia
penou para escapar dos papéis
de empregadinha porto-riquenha, como Rita Moreno, que
acabou fazendo sexo oral em
Jack Nicholson em "Ânsia de
Amar"). A verdade é que não
temos nenhum intercâmbio
cultural com os EUA. Nada
-mal sabem quem somos.
Eu sou um pobre homem do
"cinema novo". No entanto,
minhas pequenas experiências
comerciais com Hollywood me
deram a visão em miniatura
do que está acontecendo em
setores mais importantes da
economia.
Quando fui vender meus filmes nos EUA (e lá só consegui
colocar "Toda Nudez Será
Castigada", num circuito menor -na época, eu não tinha
dinheiro nem para telefonar-, e "Eu te Amo", que
entrou em circuito no país inteiro e ajudou a lançar a Sonia), vi de perto que a pior forma de desamparo é negociar
com americano. Eles não nos
dão a esmola de um "jeitinho", uma cordialidade.
Diante de um negociante
americano, sinto-me abstrato.
Ele é real, você imaginário.
Você tem a vaga esperança de
uma piedade, mas não vem
nem um cafezinho. Eles não
lhe dão nada, e você ainda sai
com uma gratidão humilhante, por ter sido mal pago para
entrar no baile deles.
Talvez a grande invenção
americana seja o curto prazo.
Não existe o raciocínio flexível, de longo prazo, no comércio conosco, os emergentes.
Não existe a idéia de "reflorestar-nos", de nos fecundar,
de ajudar a nos desenvolver
nem que seja para terem bons
fregueses no futuro.
Falo essas obviedades por
causa do cinema. Todo mundo
fala hoje no Brasil: "Ahhh...
Agora o nosso cinema está renascendo...". Isso me dá um
calafrio, pois vejo que os filmes
brasileiros estão sendo produzidos de novo, graças a incentivos fiscais, mas estão sendo
jogados no gueto dos cinemas
de arte ou tirados de cartaz em
plena carreira bem-sucedida,
porque não temos uma política
de distribuição e de proteção
para esses filmes.
É como produzir pães sem
padaria, televisão sem aparelhos receptores. Nos anos 70,
quando, por um desses mistérios brasileiros, tínhamos a lei
de proteção ao mercado interno, uma cota de tela, chegamos
a fazer 12 milhões de espectadores em filmes como "Dona
Flor".
Mas por que esse ardor nacionalista? Porque li uma entrevista do Jacques Le Goff (um
dos maiores historiadores do
mundo) em que ele diz: "Não
sou protecionista, com exceção
do âmbito do cinema. O cinema é um dos pontos fortes da
civilização européia, e é preciso defender a cota de tela do
cinema europeu".
O cinema americano acabou
com o cinema alemão, o italiano, o espanhol, ficando o cinema francês na corda bamba.
Claro que não dá mais para
uma política de substituição
de importações getulistas hoje,
mas não dá também para o governo achar que a tarefa está
pronta com a Lei do Audiovisual. A lei é ótima, mas falta o
resto, e o resto é que é difícil.
Como o Plano Real: difíceis
são as reformas complementares.
Há soluções possíveis. Na Espanha, a cada três filmes americanos dublados eles são obrigados a co-produzir um filme
espanhol. Temos de arranjar
novos métodos. Não dá para
ver filmes bons como "Os Matadores" ou "Céu de Estrelas" ou "O Que É Isso, Companheiro?" saírem de cartaz,
sem pagar as cópias.
Globalização da economia
vira um lero-lero se não houver mão dupla. Querem um
exemplo espantoso? Há uma
lei de cinema no Brasil que
permite que as companhias estrangeiras de filmes (Fox,
Warner, UIP etc.) apliquem
parte de seu Imposto de Renda
devido ao Estado na co-produção em sociedade com filmes
brasileiros. Qualquer louco
preferiria investir num filme
em vez de pagar imposto ao
fisco.
Lutamos anos, ingenuamente, para conseguir isso, estimulando a "cooperação comercial". Sabem o que aconteceu?
Os americanos preferem perder o favor fiscal (cerca de R$
50 milhões por ano) do que
aplicar dinheiro (gratuito) em
filmes brasileiros.
Claro que seus advogados dizem que há um problema com
a Receita americana, que perderiam um "tax credit" e coisa e tal... Mas não é nada disso.
Não aplicam para não estimular concorrentes brasileiros. (A
única companhia que aplica é
a Columbia, que tem um passado mais cooperativo.)
Imaginem no aço, nas grandes transações. "Globalization, my ass" (Globalização
uma porra"), como eles dizem. "Ahhh... Porque seria
bom para nós a longo prazo,
uma cooperação cultural bilateral", pensam os babacas.
Americano não acredita nesse
papo de fortalecer emergente;
vejam nossas laranjas, sapatos,
ferro. Vejam aquela senhora
Charlene Barschefsky: "O
Mercosul é contra nossos interesses".
Clinton vem aí com um papo
de "integração pela educação
e cultura", para vender à Alca, mas isso não pode nos iludir. O cinema para eles sempre
foi uma vanguarda militar para colocar produtos. Vejam
que os personagens principais
dos filmes americanos são os
objetos de cena, são os produtos da tecnologia de ponta. Já
foram os automóveis, os jeans,
hoje são os computadores e
seus geniais painéis mágicos. O
enredo é apenas um pretexto
para vender mercadorias.
Há uma coisa importantíssima que temos de deixar clara:
o governo brasileiro não pode
achar que fez a Lei do Audiovisual apenas para agradar aos
cineastas. A Lei do Audiovisual é uma necessidade pública, uma prioridade brasileira e
tem de ser complementada pela criação de mecanismos que
garantam a exibição de nossos
filmes, que não garantam privilégios, mas sim condições mínimas de concorrência com os
"rambos".
Chegou a hora da segunda
etapa da Lei do Audiovisual:
distribuição, distribuição!
Atenção, ministro Weffort,
atenção, presidente: vamos
proteger a exibição de nossos
produtos pelo menos em nosso
mercado. Se bobearmos, vamos
permitir que sob o papo careca
de "globalização e abertura"
só exista o imperialismo velho
de guerra.
A visita de Clinton vai tentar
dourar a pílula da Alca com
charmes culturais. Não bobeemos. Cuidado com a operação
Carmen Miranda. Do contrário, continuaremos a viver de
ilusão, como quer o cinema
americano.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|