São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2004

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CRÍTICA

Finalmente, chega o produto por inteiro

SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA

A principal qualidade de "Kill Bill 2", a continuação do épico demente-feminista de Quentin Tarantino, é dar unidade a uma obra que originalmente foi planejada para ser única, perdoe o pleonasmo. Fica cada vez mais evidente que nunca existiu "Kill Bill 1" e "Kill Bill 2", a não ser na cabeça dos Weinstein, os irmãos comerciantes da Miramax.
Na (desproporcionalmente enorme, em todos os sentidos) cabeça do diretor, "KB" era um só, tivesse duas, três ou quatro horas de duração. Mas Tarantino passou tempo suficiente pagando sapo atrás daquele balcão de videolocadora na Califórnia para saber a regra básica de sobrevivência em Hollywood: você não morde a mão que o alimenta.
Quando Harvey Weinstein entrou no estúdio em que Tarantino finalizava algumas cenas na Ásia, no meio de 2003, conforme relatou o diretor à Folha, e "sugeriu" que o filme fosse dividido em dois, para não cansar a audiência e para ser viável comercialmente, minutos foram o suficiente para que o autor da obra dissesse sim.
O que não tirou o brilho de "KB", apenas o adiou. Assistir à primeira parte sozinha era uma coisa, ver a segunda parte tendo aquela como referência é outra experiência. Mesmo o mercado doméstico americano, cujo Q.I. médio tende ao dígito único, percebeu e deu mais dinheiro em bilheteria, proporcionalmente, à continuação. Criou-se a "tendência": o sujeito assistia a "KB2" no cinema, saía impressionado, alugava o DVD de "KB1" e então voltava para o repeteco de "KB2".
Recomendo o mesmo ao sujeito brasileiro. A recompensa é um dos filmes mais bem realizados dos últimos anos, com tudo aquilo que fez a fama do diretor mais influente a surgir nos anos 90, autor de pelo menos dois filmes, "Cães de Aluguel" (92) e "Pulp Fiction" (94), que são a raiz de muita árvore genealógica cinematográfica: os diálogos verborrágicos, estilo metralhadora, as referências (pilhagem seria palavra mais exata) a outros filmes, dezenas e dezenas -os westerns de Sergio Leone com mais evidência.
Como quem viu o primeiro filme já sabe, a Noiva (Uma Thurman) não se casa. Depois de se livrar de quase toda a gangue que a atacou na parte 1, ela parte para pegar quem restou: Budd (Michael Madsen), Elle Driver (Daryl Hannah) e o próprio Bill (David Carradine), obviamente. O que ela não sabe é que sua filha com ele está viva e bem...
A coisa toda é toda tão certa, mas vale a pena destacar três momentos. O primeiro é a atuação de Carradine. Acontece com ele, que foi o Kung-Fu da série de TV dos anos 70 e nunca mais fez nada relevante, o mesmo que com John Travolta pós-"Pulp Fiction": um mau ator (no caso de Carradine, inclusive um ator que sibila, o que é um problema se você não é genial como o Miguel Magno) que encontra um bom diretor, que o ajuda a elevar sua canastrice à categoria de arte.
O segundo é a briga entre Uma Thurman e Daryl Hannah. O diretor pega as duas loiras mais crumbianas do cinema, no sentido de mulheres fartas e grandes, que dariam inveja às desenhadas por Robert Crumb, e as coloca num "cat fight" de fazer marmanjo pedir água. O terceiro, mas não último, é a seqüência em que o personagem de Uma passa por uma situação extrema de claustrofobia (não dá para entregar mais do que isso) -tem gente que deixa a sala nessa hora.
Não deixe. Pouca coisa melhor do que isso vai estrear no cinema nos próximos meses.


Kill Bill 2
Idem
    
Produção: EUA, 2004
Direção: Quentin Tarantino
Com: Uma Thurman, David Carradine
Quando: a partir de amanhã, nos cines Morumbi, Penha e circuito



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