São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

10ª edição fotografa MTV desacelerada

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

A desaceleração do formato inventado e reproduzido por dez anos consecutivos foi o principal inimigo da MTV na edição 2004 de seu VMB.
O espetáculo foi conduzido de modo a glorificar o velho e bom rock'n'roll, até a inesperada consagração da jovem roqueira baiana Pitty pela audiência, emendada à apresentação em rock pauleira de um pool de bandas pop.
Que nada, impacto mesmo aconteceu nas performances dos rappers (os "roqueiros" dos anos 2000) e na estréia eletrônica do F.Ur.T.O., novo grupo de Marcelo Yuka, enrijecido por bandeira do MST e críticas a Colin Powell, à Igreja Católica e ao Brasil -o mesmo Brasil que peita a proeza ética de ter dois artistas, Yuka e Herbert Vianna, comandando bandas sobre cadeiras de rodas.
Como apresentador, Otto foi outro que atuou a serviço de politização, afirmando que "a periferia está certa, o centro, não". OK, é só um lema mangue beat, mas estavam na platéia José Serra, campeão de votos na região central de São Paulo, e Marta Suplicy, líder das periferias. No meio desse barulho, rock, rock, rock...
Desacelerado foi o mestre-de-cerimônias Selton Mello. Reconhecido bom ator, não segurou a onda diante de piadas chochas. Piores que elas, só a técnica pré-cambriana de extrair riso do preconceito, entre deboches contra carecas antes de Herbert Vianna se apresentar, mulheres retratadas só como pares de pernas (e Daniela Cicarelli vestindo a carapuça), grosserias contra homossexuais o tempo todo... Preguiiiça.
Acelerada, na contramão, foi a passagem de um Caetano Veloso tenso ao lado do par de Primeiro Mundo David Byrne. O desastre técnico inédito na MTV fez Caetano saltar a veia autoritária: "Bota essa porra para funcionar direito (...), é uma ordem que estou dando à MTV". Mas ele acabou amaciando por si só: "Se não der, avisa que a gente vai embora, para o pessoal não ficar de saco cheio". Não, a MTV obedeceu à ordem.
De ponta-cabeça, o desgaste dos formatos foi exposto ainda na abertura, num duelo bom de doer entre violinos eruditos, violões MPB e percussões tribalistas. A MTV declarava seu voto numa ode ao acú$tico -fazia arte, mas defendendo o retrocesso, o retrô, o reverso de sua imagem jovem. Eis a grande contradição. Ali mesmo se anunciava a marca positiva da décima edição: a sintonização do espírito do tempo favorável às aglutinações, aos coletivos, ao confronto de idéias díspares.
Foi dessa natureza o encontro entre o "rapper" Zeca Pagodinho, os "partideiros" Marcelo D2, BNegão e Black Alien e as "pastoras" multiculturais Daniela Mercury, Negra Li, Paula Lima, Vanessa da Mata e Wanessa Camargo. Ah, se a MTV fizesse menos acústicos, mais dessas coisas...


Texto Anterior: Música: VMB consagra Pitty e Marcelo D2
Próximo Texto: Mundo gourmet: L'Ami serve a cozinha reconfortante de bistrô
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.