São Paulo, sábado, 07 de outubro de 2006

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FERNANDO GABEIRA

Até que nem tão aloprados assim

Não é qualquer grupo que consegue lançar todo o país num pântano de pistas falsas

A TENTATIVA de compra de um dossiê da família Vedoin é um fato de peso na campanha presidencial. O escândalo da venda de ambulâncias superfaturadas, circunscrito ao Parlamento, acabaria respingando nos candidatos majoritários. A reação do governo Lula foi diversificada. No início, o próprio presidente chamou os petistas que dirigiam sua campanha de aloprados. Tarso Genro classificou a tentativa de compra do dossiê de "Operação Tabajara".
Havia limitações nessa crítica. O centro da censura era a falta de competência, e não a questão ética. Com o tempo, alguns mais exaltados afirmaram que negociar com bandidos nivelava todos à condição de bandidos. Lula determinou que a Polícia Federal investigasse. E tanto a PF quanto a mídia foram lançados numa verdadeira gincana, perseguindo falsas pistas e mergulhando num labirinto do qual não sairão jamais.
O único dado concreto veio dos Estados Unidos, onde o equivalente do Banco Central tem métodos para rastrear o dinheiro. Esse dado perdeu seu valor quando o dinheiro entrou no Brasil, pois aqui vivemos ainda num período pré-11 de Setembro e pré-surgimento do crime organizado em escala internacional.
Perderam-se os rastros. Os petistas envolvidos no escândalo confessaram a transação, mas afirmaram que desconheciam a presença do dinheiro. Mas o dinheiro chegou ao Hotel Ibis. Como seria possível Gedimar receber o dinheiro de alguém sem ser avisado com antecedência? Como seria possível, isolado, guardar o dinheiro no cofre e avisar a Mato Grosso que a grana estava lá?
O único que reconhece a existência do dinheiro é o que foi preso com ele. Os outros todos vêem aquela montanha de notas como uma anomalia, algo que não estava nos planos. Essa articulação para esconder a origem do dinheiro é apenas mais um serviço que estão prestando à candidatura Lula. São insultados publicamente e, nas salas de interrogatório, seguram a onda, protegem a força política a que pertencem.
São admiradores de Lula no esforço de torpedar adversários e também de proteger um projeto de poder. Tive a sensação, ao conversar com dois deles, que são sensatos como os quadros políticos que circulam em Brasília, simpáticos e cordiais também como quase todos.
Nesse momento, duvido que a Polícia Federal chegue à origem do dinheiro. Tudo começou de uma forma equivocada. A pessoa mais qualificada para informar à Policia Federal lavou as mãos e pediu que ela entrasse em campo.
Essa pessoa é o próprio presidente da República. Se colaboradores ligados a ele confessarem alguma coisa, vão dizê-lo numa conversa franca com o presidente. Lula é quem deveria obter as informações e passá-las a PF, e não o contrário. Tudo começou errado. Talvez nem a mídia nem a oposição tenham se dado conta de que caíram numa armadilha de esconde-esconde, num labirinto de doleiros peritos em camuflar.
Como no Castelo de Kafka, estamos todos esperando abrir uma porta que sempre esteve aberta para nós. Essa porta é a do Palácio do Planalto. Se alguém tem condições de saber, na moral, esse alguém é o presidente.
Aliás, se não revelou até agora, independentemente até da estrutura de informação a seu dispor, ou é porque padece de uma doentia falta de curiosidade, ou é porque tem medo de enfrentar a verdade e prepara uma versão edulcorada.
Mesmo com um adversário mergulhado na missa das sete e nas memórias da infância em Pindamonhangaba, o caminho de Lula é perigoso. Continuar escondendo significa continuar sangrando. Revelar a verdade nua e crua deve ser fatal, pois, de outra forma, já a teria revelado. Finalmente, uma versão edulcorada ("remember" Operação Uruguai, do neo-aliado Fernando Collor) tem um potencial devastador, se não for perfeita.
O adversário vai continuar fazendo exatamente o que o Eduardo Suplicy faria: pedindo resultados à Polícia Federal, encarregada das investigações. A PF já deu sua cota de imprevisibilidade ao desarticular a operação. Tudo o que acontecer nesse caso depende do Palácio do Planalto. Consideradas as circunstâncias, Lula é a única pessoa capaz de arrancar confidências do churrasqueiro e da central de inteligência.
Aloprados? Tudo bem, a PF desmontou a operação; fez um gol.
Mas não é qualquer grupo que consegue afirmar que desconhecia uma montanha de dinheiro e, ainda por cima, lançar todo o país num pântano de pistas falsas. Isso se chama amor à causa -ou aos cargos, como quiserem.


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