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Surpresas eleitorais e o engano dos bem-informados
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
Desconfio um pouco das coisas que se escrevem depois das
eleições. Aquela história de
qual foi "o recado do eleitor",
qual foi "a lição das urnas" etc.
é em geral bastante suspeita.
Mas os resultados que vão
aparecendo (escrevo este artigo
na segunda-feira) são surpreendentes e levam-me pelo
menos a reformular algumas
idéias que me pareciam sólidas
durante a campanha eleitoral.
Em primeiro lugar, fica posta
em dúvida a competência das
pesquisas e dos marqueteiros.
Antonio Britto, no Rio Grande do Sul, e Joaquim Roriz, no
Distrito Federal, pareceram-
me por exemplo imbatíveis;
cheguei a acreditar que, de tanta martelagem televisiva, Oscar
superasse Eduardo Suplicy.
Duda Mendonça não conseguiu fazer com que Arraes tivesse boa votação; e mesmo sem
desmerecer seu trabalho de Midas com relação a Paulo Maluf,
deve-se observar que os índices
do candidato do PPB não subiram muito durante a campanha eleitoral.
E Rossi? Como foi que ele sumiu de uma hora para outra? O
que concluir dessas surpresas?
Podemos especular sobre as
causas dos erros de avaliação.
Podem ser atribuídos à manipulação da mídia ou a meros
desajustes técnicos e a sutilezas
de interpretação nos dados das
pesquisas. Prefiro levantar
mais uma suspeita; recai sobre
mim mesmo.
O fenômeno Maluf, o fenômeno Oscar, o fenômeno Rossi sugeriram-me a idéia de que o
eleitorado pudesse ser infinitamente manipulável.
O plano Real, a globalização
etc. sugeriram-me a idéia de
que não há opções políticas
concretas em jogo contra FHC:
o campo do "possível", do "alternativo", representado tropegamente por Lula, Ciro Gomes
e Enéas, não me convencia. Pareceu-me apenas uma outra estratégia de marketing, igualmente retórica.
De certo modo, como "profissional da imprensa" -mas
acho que a maioria da população bem-informada está na
mesma situação que eu-, superestimei o poder da comunicação. Vivia-se, nos meios de
esquerda, um clima de "já perdemos". O próprio Lula parecia
mais um anticandidato do que
alguém pronto para assumir o
poder.
A campanha de Marta Suplicy foi fraca, vazia, esquálida.
Como é que deu mais certo do
que a campanha de Rossi? Marta cresceu no debate da TV Cultura.
Talvez possamos dizer que, a
despeito de nosso preconceito (e
de nossa experiência cotidiana
ao conversar com empregadas,
motoristas de táxi, chapeiros de
padaria), a capacidade popular
de iludir-se é um pouco menor
do que pensávamos.
Eduardo Suplicy tem mais votos do que Lula em São Paulo: o
que significa, a meu ver, que a
rejeição ao PT não é tão grande
assim; não representa necessariamente o estigma que nós,
"modernos", pensávamos existir sobre o velho quixotismo da
esquerda.
Para resumir: as eleições deste
ano determinaram o esgotamento do horário eleitoral gratuito. Aquele blablablá sentimental, aquelas tomadas de
multidão em câmera lenta, corações batendo, jingles açucarados, crianças sorrindo, tudo
isso ficou igual, encheu. Deixou
de funcionar.
Acho que está na hora de mudar a legislação quanto a isso.
Quem merece elogios aqui é
Mário Covas, que há tempos
propôs uma lei bastante restritiva: só o candidato pode aparecer no horário político. Que
diga o que tem a dizer, e pronto.
Concordo. Barateia-se o custo
da propaganda, e mostra-se ao
eleitor aquilo que ele tem de conhecer: o candidato, e não campos floridos, criancinhas dengosas, desdentados felizes.
Ninguém aguenta mais -e,
de certo modo, os resultados
eleitorais refletem isso. Outra
coisa: os debates. São imprescindíveis.
O que acontece? Basta um ou
dois candidatos importantes
decidirem não aparecer, que o
debate não é feito, a emissora
desiste.
Isso é um erro, do ponto de
vista da democracia. Pois fica
beneficiado quem não vai ao
debate. Suplicy defende a cassação da candidatura de quem
não participa. Não é preciso
chegar a tanto.
Se as emissoras fossem obrigadas a transmitir o debate, mesmo sem os candidatos principais, isso representaria uma
enorme vantagem aos candidatos que participam, razão suficiente para levar todos ao confronto.
Tem conserto, então? Tem,
sim. E eu não acreditava nisso.
Meu raciocínio era o seguinte.
A margem de manobra de
qualquer governante, nos tempos atuais, é mínima.
Estamos decidindo quem será
o presidente, o governador etc.,
pessoas que no fundo não irão
decidir coisa nenhuma. Logo, o
papel dos marqueteiros se justifica.
Pois o que interessa não é escolher quem vai mudar a realidade, mas sim quem manipula
melhor a imagem de uma realidade sobre a qual ninguém, no
Brasil, tem o menor controle.
A "lição das urnas" não foi
bem essa. Acredita-se (para inverter a fórmula de Anatole
France) no poder de quem tem
poder.
O povo, supostamente iludido, confia numa realidade que
vai além das pesquisas e das
imagens televisionadas.
France, como qualquer jornalista, sorria ante a credulidade
popular. Seus melhores romances, que fazem parte do ciclo
"Histoire Contemporaine",
mostram um falso milagre numa cidade de província (uma
menina do povo vê a virgem, é
santa, mas depois engravida).
Seus livros mostram também
disputas pelo bispado regional,
e concluem, dando de ombros,
na "falta de poder de quem tem
o poder".
Talvez também isso seja uma
ilusão. Dizer que nada pode ser
feito, exceto o que querem os investidores americanos, como no
fundo é a mensagem do Planalto, talvez resulte num antiutopismo tão ilusório quanto qualquer outra utopia.
Os profissionais da desilusão,
isto é, a maioria dos jornalistas,
e os profissionais da ilusão, isto
é, os marqueteiros e os políticos,
estavam de acordo.
Mas os eleitores, até onde posso ver, não se mostraram tão
dóceis assim.
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