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ARNALDO JABOR
O PT-mulher é bem melhor que o PT-macho
A vitória de Marta Suplicy, uma mulher da burguesia, em São Paulo, foi um bom
avanço para o amadurecimento
político do PT. Simboliza uma
aceitação de "nuances" ideológicas muito novas e profundas. Terá sido a gafe de Lula com os
"veados" um ato falho compensatório pela angústia da perda do
velho falocentrismo machista?
"Só Freud sabe...", dirão os psicanalistas de galinheiro.
Mas é certo que o PT vai deixar
de ser pedra para ser vidraça, tendo de se defrontar com as duras limitações da vida real. A oposição
no poder ficará muito mais lúcida, perdendo o vício da aura utópica e irresponsável que teve com
o delírio de seus "militantes imaginários". A pior doença infantil
das esquerdas brasileiras é a idéia
de estarem "fora" do país, "fora"
do crime, fora do erro, fora das
doenças tropicais e ibéricas, a
idéia de que seriam mais "puros"
por não meterem a mão na digamos... bosta. Como dizem as bichas de Pelotas, o PT vai ter de
"sair do armário" e assumir uma
sexualidade política mais radical
por ser mais cor-de-rosa.
Essa atitude olímpica e machista enobrecia o PT e mantinha viva a cegueira teórica para o mundo real. Consideravam-se "fora"
do processo e viam o Brasil como
"uma outra terra" a ser construída; o Brasil real era visto com desinteresse, lugar de "burgueses e
alienados". Os velhos comunas
dos anos 60, como os "veados",
queriam um "novo homem", queriam um outro país para além do
arco-íris, começando "do zero",
da raiz. Eu me lembro de quantos
erros cometi na vida me considerando o "sal da terra", como em
64, quando lutávamos por um socialismo dançante, sem armas,
sem logística, sem apoio da classe
média, sem Exército, sem dinheiro e com ajuda do presidente da
República, o Jango (até para tomar o poder precisávamos da
ajuda do governo...).
Era patético ver o doce Darcy
Ribeiro gritando que éramos a
"Roma tropical", ou ouvir a mim
mesmo, discursando na UNE no
tempo em que seu presidente Zé
Serra tinha um belo topete:
"Companheiros, já liquidamos o
imperialismo; só falta agora destruir a burguesia nacional! E nosso Exército estará ao lado do povo, porque os militares são oriundos da classe média progressista!". Deu no que deu.
O fim da virgem
Essa vitória do PT "desalienará" muitos "sonhadores do absoluto", que vão descobrir, na prática, que o "quente", hoje em dia, é
"sonhar com o relativo". Isso porque muita gente boa não entendeu até agora que trabalhar dentro da complexidade política não
é traição ou desistência, mas sim
um amadurecimento de estratégias. Vários sectários de plantão
disseram nos jornais: "O PT não
ficou light!". Como se a vitória do
PT fosse uma desistência de seus
ideais "machos", uma "tucanização" do PT. A burrice e o oportunismo são invencíveis como a Pedra da Gávea, sabemo-lo. É justamente o contrário do que dizem:
o PT que ganhou não é "light";
ganhou porque ficou mais
"hard", mais adulto, assumindo
defeitos, consultando o desejo do
país. Essa vitória do PT faz o partido mais importante, porque ficou mais cor-de-rosa, sim, mais
cambiante, se reconhecendo
"dentro" da realidade brasileira
suja, concreta, acabando aquela
ridícula atitude de virgens dentro
de um prostíbulo. Essa vitória vai
aprofundar o nível teórico do PT,
contemplando não apenas a luta
de classes do século 19, como ensinavam as cartilhas da Academia
das Ciências da URSS, mas também as dificuldades da democracia representativa, da intrincada
rede das oligarquias e dos corporativismos. O PT vai ser obrigado
a sair da posição do "quanto pior,
melhor" e terá de se relacionar
com o poder central, por verbas,
impostos, vai ter de administrar
orçamentos, vai obedecer a Lei de
Responsabilidade Fiscal (que ele
ainda tentou loucamente impedir
com a ação ao STF...). O PT vai se
sentir co-responsável por tudo o
que nos acontece e que nos aconteceu, vai renascer como uma
possibilidade de democracia social, e não como um bando de
machos revolucionários de filme
soviético.
PT e PSDB
Outra grande serventia dessa
vitória do PT: vai melhorar o que
resta do governo de FHC. Seu poder nas prefeituras será ótimo para assediar a agenda do governo
central com o mundo real das microrreivindicações municipais,
cotidianas. Isso provocará uma
humanização do monetarismo
frio que o assola, sob a égide do
FMI.
Isso vai humanizar o PT também em relação aos tucanos.
Aliás, se o PT, desde o início do
governo FHC, tivesse sido um
pouco mais generoso com FHC,
que, no seu gesto mais interessante, aceitou a "realpolitik" do país,
se o PT tivesse sido um pouco cooperativo, teria ajudado o governo
a ficar menos amarrado às oligarquias clientelistas e fisiológicas.
Mas isso, bem o sei, é romantismo
aqui do ex-"sal da terra". FHC foi
massacrado por ser um progressista que, sem consultar "bases"
ou "comitês centrais", ousou fazer
uma crítica prática das cartilhas
da esquerda. Isso foi imperdoável
para os sectários. Preferiram se
aliar até com a UDR, só para ferrar o FHC, levando-o a erros horrendos, como apoiar o Roriz em
Brasília.
O PT vai ter de se defrontar com
nossos vícios coloniais, que moldaram um Estado loteado por velhos inquilinos, protegidos por
uma estrutura jurídica escrita pela história dos privilégios seculares. O PT descobrirá que os "inimigos do povo" não são apenas o
imperialismo ou a opressão dos
burgueses, mas estão entranhados em todos nós, inclusive na cabeça da própria esquerda.
Essas vitórias do PT são úteis
para o novo período político que
virá, quando, depois do reformismo monetarista e do ajuste fiscal
do governo FHC, chegar a hora de
retomar um desenvolvimento
mais distributivo e democrático.
Quanto mais cor-de-rosa e mais
bissexual, mais radical será o PT.
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