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ARQUITETURA
Artista plástico e arquiteto comenta trajetória do setor no Brasil, tema de livro escrito por Pedro Arantes
"Mutirão revê relações de produção", diz Sérgio Ferro
GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA
Autor de importantes críticas ao
meio arquitetônico nos anos 60, o
artista plástico e arquiteto Sérgio
Ferro, 64, foi responsável, ao lado
de Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, por pioneiras iniciativas de
revisão das relações entre o desenho e o canteiro de obras.
O livro de Pedro Arantes "Arquitetura Nova" retoma e atualiza
os impasses deixados por essas
críticas, transformadas em tabu
desde que Ferro deixou o país e a
profissão de arquiteto em 71.
Leia a seguir trechos da entrevista com Ferro, que esteve em
São Paulo em setembro.
Folha - Houve uma mudança de
sentido na arquitetura brasileira
pós-64?
Sérgio Ferro - Houve um movimento de ruptura e continuidade.
O [arquiteto Vilanova] Artigas e
toda a esquerda tinham a crença
de que a evolução das forças produtivas era uma condição "sine
qua non" para qualquer transformação social, coisa que, de fato,
muitos textos do Marx poderiam
levar a crer. A nossa crítica apontava para um outro lado, mas era
em parte herdeira do Artigas.
Folha - Os descaminhos que o sr.
aponta se originaram ali ou eram
inerentes à nossa arquitetura?
Ferro - Você deve ter reparado
que eu mencionei o Artigas, e não
o Niemeyer. Mesmo assim não há
que criticá-lo somente. Na Pampulha, por exemplo, ele mostra
que é possível uma liberdade formal com certo respeito a condições de trabalho mais dignas. São
relações que poderiam ter sido incorporadas como linguagem. Nos
primeiros desenhos dele, essa
possibilidade está colocada em
germe, com uma tecnologia mais
simples. Eu acho que a lógica da
produção é que deveria guiar a lógica do desenho.
Folha - O sr. vê continuidades entre as experiências construtivas de
vocês e os mutirões?
Ferro - Muita coisa se mantém,
como um grande apelo à participação, ou a busca de qualidade arquitetônica, apesar da simplicidade dos meios. Mas há muita mudança. Os mutirões vão além do
momento construtivo e se abrem
para o urbano. E, sobretudo,
agem diretamente com a parte da
população a que se dirigem.
Folha - O sr. acha que o mutirão é
um modelo a ser adotado ou uma
solução de conjuntura?
Ferro - De um lado, o mutirão
poderia ser criticado sob a ótica
do Engels, por não favorecer a reivindicação salarial etc. Entretanto, já quanto à questão das forças
produtivas, eu acho que há a possibilidade de avanços enormes.
Pelo que vi recentemente, com o
mutirão se está começando a trocar o uso de certos materiais, de
certos procedimentos técnicos.
Quando fazem a escada central
metálica, por exemplo, não é em
consideração à rapidez de execução, mas em função de toda a organização do canteiro: uma questão de segurança. E um dos elementos que eu acho fundamental
na elaboração de uma arquitetura
nova é este: pegar a técnica que está aí, mas criticá-la. Não no que
ela tem de científica, mas no que
tem de um uso desviado. Indo
além, o mutirão contribui para
uma revisão crítica das relações
de produção: a discussão no canteiro, o debate e a cidadania.
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