São Paulo, quinta-feira, 07 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARQUITETURA

Artista plástico e arquiteto comenta trajetória do setor no Brasil, tema de livro escrito por Pedro Arantes

"Mutirão revê relações de produção", diz Sérgio Ferro

GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA

Autor de importantes críticas ao meio arquitetônico nos anos 60, o artista plástico e arquiteto Sérgio Ferro, 64, foi responsável, ao lado de Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, por pioneiras iniciativas de revisão das relações entre o desenho e o canteiro de obras.
O livro de Pedro Arantes "Arquitetura Nova" retoma e atualiza os impasses deixados por essas críticas, transformadas em tabu desde que Ferro deixou o país e a profissão de arquiteto em 71.
Leia a seguir trechos da entrevista com Ferro, que esteve em São Paulo em setembro.

Folha - Houve uma mudança de sentido na arquitetura brasileira pós-64?
Sérgio Ferro -
Houve um movimento de ruptura e continuidade. O [arquiteto Vilanova] Artigas e toda a esquerda tinham a crença de que a evolução das forças produtivas era uma condição "sine qua non" para qualquer transformação social, coisa que, de fato, muitos textos do Marx poderiam levar a crer. A nossa crítica apontava para um outro lado, mas era em parte herdeira do Artigas.

Folha - Os descaminhos que o sr. aponta se originaram ali ou eram inerentes à nossa arquitetura?
Ferro -
Você deve ter reparado que eu mencionei o Artigas, e não o Niemeyer. Mesmo assim não há que criticá-lo somente. Na Pampulha, por exemplo, ele mostra que é possível uma liberdade formal com certo respeito a condições de trabalho mais dignas. São relações que poderiam ter sido incorporadas como linguagem. Nos primeiros desenhos dele, essa possibilidade está colocada em germe, com uma tecnologia mais simples. Eu acho que a lógica da produção é que deveria guiar a lógica do desenho.

Folha - O sr. vê continuidades entre as experiências construtivas de vocês e os mutirões?
Ferro -
Muita coisa se mantém, como um grande apelo à participação, ou a busca de qualidade arquitetônica, apesar da simplicidade dos meios. Mas há muita mudança. Os mutirões vão além do momento construtivo e se abrem para o urbano. E, sobretudo, agem diretamente com a parte da população a que se dirigem.

Folha - O sr. acha que o mutirão é um modelo a ser adotado ou uma solução de conjuntura?
Ferro -
De um lado, o mutirão poderia ser criticado sob a ótica do Engels, por não favorecer a reivindicação salarial etc. Entretanto, já quanto à questão das forças produtivas, eu acho que há a possibilidade de avanços enormes. Pelo que vi recentemente, com o mutirão se está começando a trocar o uso de certos materiais, de certos procedimentos técnicos. Quando fazem a escada central metálica, por exemplo, não é em consideração à rapidez de execução, mas em função de toda a organização do canteiro: uma questão de segurança. E um dos elementos que eu acho fundamental na elaboração de uma arquitetura nova é este: pegar a técnica que está aí, mas criticá-la. Não no que ela tem de científica, mas no que tem de um uso desviado. Indo além, o mutirão contribui para uma revisão crítica das relações de produção: a discussão no canteiro, o debate e a cidadania.


Texto Anterior: Empório brasileiro
Próximo Texto: Crítica: Livro ilumina questões habitacionais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.