|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS
Crítica/ "Se Eu Fechar os Olhos Agora"
Edney Silvestre confronta inocência com realidade
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Se o paralelo entre ficção
policial e psicanálise é
recorrente, o romance
de estreia do jornalista Edney
Silvestre funde esses dois elementos numa visão da história
do Brasil como cenário de crime e de perversão.
A trama de "Se Eu Fechar os
Olhos Agora" começa quando
dois amigos de escola, Eduardo
e Paulo, topam com o cadáver
mutilado de uma mulher à beira de um lago. As circunstâncias do encontro e a data em
que começa o romance amarram os diferentes sentidos da
narrativa.
Os meninos haviam sido suspensos da aula por estarem
vendo "revista de sacanagem".
Aproveitando a punição, resolvem nadar no lago e conversam
sobre o fato mundial que marcou aquele 12 de abril de 1961: a
primeira viagem do homem ao
espaço, feita pelo astronauta
soviético Yuri Gagárin.
Esse mesmo ano, lembremos, é o da renúncia de Jânio
Quadros, que dá início ao processo que vai culminar no golpe
de 64, substituindo a desigualdade negociada pela institucionalização da violência.
O romance, assim, explora o
choque da inocência dos meninos (que descobrem a sexualidade) e das ilusões coletivas (a
ciência nos emancipando das
disputas ideológicas) com uma
realidade feita de vícios privados e maquinações públicas.
"A vida adulta lhes parecia
distante, cordial e luminosa -e
não o mundo brutal onde seriam lançados naquela manhã",
afirma o narrador sobre o trauma vivido pelos jovens, inicialmente acusados de terem matado a mulher.
Liberados pela polícia, eles
ficam sabendo que o dentista
da cidade (antigo reduto de barões do café) confessara ter matado a tal mulher, na verdade
sua esposa Anita, conhecida pela promiscuidade.
Desconfiados dessa versão
oficial, saem à cata de provas e
acabam conhecendo um professor aposentado (e velho militante político) que fugia toda
noite de um asilo para também
averiguar a história suspeita do
crime passional.
O encontro fantasioso dos
dois amigos com o velho fujão e
os ágeis diálogos, cheios de hipóteses e deduções detetivescas, conferem ao livro o andamento de um romance juvenil
de aventura.
Mas, se a investigação é movida em boa parte pela curiosidade adolescente em relação
aos segredos do erotismo adulto, o que aflora são desejos recalcados pelo racismo das elites
do local, que é uma metonímia
do país ("Esta cidade é um microcosmo do Brasil", afirma o
professor).
A identidade incerta de Anita
traduz a fragilidade dos laços
familiares de quem está à margem (orfandade, rejeição, dissimulação da origem), mas é, sobretudo, um álibi para as abominações sexuais que ela sofreu, para os rituais coletivos de
humilhação e de assujeitamento que os protagonistas desvelam como quem entra nos recessos de um bordel -no caso,
um bordel chamado Brasil.
SE EU FECHAR OS
OLHOS AGORA
Autor: Edney Silvestre
Editora: Record
Quanto: R$ 35 (304 págs.)
Avaliação: ótimo
Lançamento: hoje, às 11h, na Livraria
Cultura (av. Paulista, 2.073)
Texto Anterior: Rodapé Literário: Voltando à origem Próximo Texto: Crítica/"O Seminarista": Artifícios de estilo não conseguem salvar trama de Fonseca Índice
|