São Paulo, sábado, 07 de novembro de 2009

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LIVROS

Crítica/ "Se Eu Fechar os Olhos Agora"

Edney Silvestre confronta inocência com realidade

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Se o paralelo entre ficção policial e psicanálise é recorrente, o romance de estreia do jornalista Edney Silvestre funde esses dois elementos numa visão da história do Brasil como cenário de crime e de perversão.
A trama de "Se Eu Fechar os Olhos Agora" começa quando dois amigos de escola, Eduardo e Paulo, topam com o cadáver mutilado de uma mulher à beira de um lago. As circunstâncias do encontro e a data em que começa o romance amarram os diferentes sentidos da narrativa.
Os meninos haviam sido suspensos da aula por estarem vendo "revista de sacanagem". Aproveitando a punição, resolvem nadar no lago e conversam sobre o fato mundial que marcou aquele 12 de abril de 1961: a primeira viagem do homem ao espaço, feita pelo astronauta soviético Yuri Gagárin.
Esse mesmo ano, lembremos, é o da renúncia de Jânio Quadros, que dá início ao processo que vai culminar no golpe de 64, substituindo a desigualdade negociada pela institucionalização da violência. O romance, assim, explora o choque da inocência dos meninos (que descobrem a sexualidade) e das ilusões coletivas (a ciência nos emancipando das disputas ideológicas) com uma realidade feita de vícios privados e maquinações públicas.
"A vida adulta lhes parecia distante, cordial e luminosa -e não o mundo brutal onde seriam lançados naquela manhã", afirma o narrador sobre o trauma vivido pelos jovens, inicialmente acusados de terem matado a mulher. Liberados pela polícia, eles ficam sabendo que o dentista da cidade (antigo reduto de barões do café) confessara ter matado a tal mulher, na verdade sua esposa Anita, conhecida pela promiscuidade.
Desconfiados dessa versão oficial, saem à cata de provas e acabam conhecendo um professor aposentado (e velho militante político) que fugia toda noite de um asilo para também averiguar a história suspeita do crime passional.
O encontro fantasioso dos dois amigos com o velho fujão e os ágeis diálogos, cheios de hipóteses e deduções detetivescas, conferem ao livro o andamento de um romance juvenil de aventura.
Mas, se a investigação é movida em boa parte pela curiosidade adolescente em relação aos segredos do erotismo adulto, o que aflora são desejos recalcados pelo racismo das elites do local, que é uma metonímia do país ("Esta cidade é um microcosmo do Brasil", afirma o professor).
A identidade incerta de Anita traduz a fragilidade dos laços familiares de quem está à margem (orfandade, rejeição, dissimulação da origem), mas é, sobretudo, um álibi para as abominações sexuais que ela sofreu, para os rituais coletivos de humilhação e de assujeitamento que os protagonistas desvelam como quem entra nos recessos de um bordel -no caso, um bordel chamado Brasil.


SE EU FECHAR OS OLHOS AGORA

Autor: Edney Silvestre
Editora: Record
Quanto: R$ 35 (304 págs.)
Avaliação: ótimo
Lançamento: hoje, às 11h, na Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073)




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