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CRÍTICA
Diretor apela para clichês
MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO
O carioca Flávio Frederico,
32, partiu de uma idéia original para fazer um filme sem nenhuma originalidade. "Urbania",
o seu longa-metragem de estréia,
foi concebido para ser uma mescla instigante de ficção e realidade, um exercício experimental.
Mas virou uma denúncia surrada
e reducionista dos males de uma
metrópole subdesenvolvida.
"Urbania" conta a história de
um cego azedo (Turíbio Ruiz) que
passeia por São Paulo num velho
automóvel conversível, dirigido
por um chofer irritadiço (Adriano
Stuart). O cego, velho, lembra da
São Paulo da sua juventude, a dos
anos 50 e 60. Fala da cidade mais
com amargor que com saudade.
Ele lembra de lugares, de uma
casa e de um cinema, e ordena
que o motorista os leve a eles. A
casa virou um cortiço. O cinema,
um pulgueiro que passa filmes
pornográficos. O cego lembra de
uma mulher que amou.
Essa narrativa, filmada em cores, é entremeada por breves sequências em branco e preto. Algumas delas mostram paisagens
da São Paulo dos anos 50 e 60. Outras parecem colocar em cena
personagens de filmes de ficção.
O diretor Flávio Frederico não é
explícito, mas a intuição leva a supor que as cenas de ficção em
branco e preto poderiam ser imagens da lembrança do cego.
O espectador com mais de 40
anos, desde que cinéfilo e com
boa memória, certamente identificará algumas dessas cenas. Elas
pertencem a "São Paulo S.A.", de
Luís Sérgio Person, e a "Noite Vazia", de Walter Hugo Khoury.
No final de "Urbania", os créditos confirmam que as sequências
em branco e preto são as "memórias" do velho cego. Assim, ele teria sido no passado o personagem
interpretado por Walmor Chagas
em "São Paulo S.A.". A mulher
cuja lembrança o atormenta seria
talvez um misto das personagens
interpretadas por Norma Bengell
em "Noite Vazia" e por Eva Wilma em "São Paulo S.A.".
Essa idéia, bastante original, jamais chega a se configurar. O roteiro, de Flávio Frederico e Rodrigo Penteado, não estrutura lembranças e atualidade. As memórias visuais não se conectam com
as lembranças que verbaliza. Os
dois mundos não se comunicam,
e não comunicam nada à platéia.
O que sobressai, então, é a andança pela São Paulo de hoje.
Uma andança inverossímil: o
conversível é um absurdo ambulante; o carro não tem capota unicamente para que o diretor possa
filmar melhor. Flávio Frederico
providencia para que seus dois
personagens visitem apenas lugares sórdidos: aterro de lixo, cortiço, favela, zona do baixo meretrício, botequins imundos, prostíbulo de quinta categoria.
Nesses locais, "Urbania" adquire características de documentário. Pessoas falam de suas vidas
para a câmera ou para um interlocutor oculto. Não se extrai nada
de revelador dessas entrevistas
disfarçadas de depoimento. Não
há sentido nelas: as sequências de
documentário se comunicam aos
trancos e barrancos com a ficção.
Não é preciso forçar a mão, fazendo com que personagens decidam passear num lixão para que a
feiúra e a miséria de São Paulo se
tornem evidentes. Nenhum personagem de ficção passearia à toa
num depósito de lixo. Ou melhor:
só aqueles criados por um diretor
que, sem ter o que dizer, apele para clichês demagógicos.
Urbania
Direção: Flávio Frederico
Produção: Brasil / 2001
Com: Adriano Stuart, Turíbio Ruiz
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco
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