São Paulo, sexta-feira, 07 de dezembro de 2001

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CRÍTICA

Diretor apela para clichês

MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO

O carioca Flávio Frederico, 32, partiu de uma idéia original para fazer um filme sem nenhuma originalidade. "Urbania", o seu longa-metragem de estréia, foi concebido para ser uma mescla instigante de ficção e realidade, um exercício experimental. Mas virou uma denúncia surrada e reducionista dos males de uma metrópole subdesenvolvida.
"Urbania" conta a história de um cego azedo (Turíbio Ruiz) que passeia por São Paulo num velho automóvel conversível, dirigido por um chofer irritadiço (Adriano Stuart). O cego, velho, lembra da São Paulo da sua juventude, a dos anos 50 e 60. Fala da cidade mais com amargor que com saudade.
Ele lembra de lugares, de uma casa e de um cinema, e ordena que o motorista os leve a eles. A casa virou um cortiço. O cinema, um pulgueiro que passa filmes pornográficos. O cego lembra de uma mulher que amou.
Essa narrativa, filmada em cores, é entremeada por breves sequências em branco e preto. Algumas delas mostram paisagens da São Paulo dos anos 50 e 60. Outras parecem colocar em cena personagens de filmes de ficção.
O diretor Flávio Frederico não é explícito, mas a intuição leva a supor que as cenas de ficção em branco e preto poderiam ser imagens da lembrança do cego.
O espectador com mais de 40 anos, desde que cinéfilo e com boa memória, certamente identificará algumas dessas cenas. Elas pertencem a "São Paulo S.A.", de Luís Sérgio Person, e a "Noite Vazia", de Walter Hugo Khoury.
No final de "Urbania", os créditos confirmam que as sequências em branco e preto são as "memórias" do velho cego. Assim, ele teria sido no passado o personagem interpretado por Walmor Chagas em "São Paulo S.A.". A mulher cuja lembrança o atormenta seria talvez um misto das personagens interpretadas por Norma Bengell em "Noite Vazia" e por Eva Wilma em "São Paulo S.A.".
Essa idéia, bastante original, jamais chega a se configurar. O roteiro, de Flávio Frederico e Rodrigo Penteado, não estrutura lembranças e atualidade. As memórias visuais não se conectam com as lembranças que verbaliza. Os dois mundos não se comunicam, e não comunicam nada à platéia.
O que sobressai, então, é a andança pela São Paulo de hoje. Uma andança inverossímil: o conversível é um absurdo ambulante; o carro não tem capota unicamente para que o diretor possa filmar melhor. Flávio Frederico providencia para que seus dois personagens visitem apenas lugares sórdidos: aterro de lixo, cortiço, favela, zona do baixo meretrício, botequins imundos, prostíbulo de quinta categoria.
Nesses locais, "Urbania" adquire características de documentário. Pessoas falam de suas vidas para a câmera ou para um interlocutor oculto. Não se extrai nada de revelador dessas entrevistas disfarçadas de depoimento. Não há sentido nelas: as sequências de documentário se comunicam aos trancos e barrancos com a ficção.
Não é preciso forçar a mão, fazendo com que personagens decidam passear num lixão para que a feiúra e a miséria de São Paulo se tornem evidentes. Nenhum personagem de ficção passearia à toa num depósito de lixo. Ou melhor: só aqueles criados por um diretor que, sem ter o que dizer, apele para clichês demagógicos.


Urbania
 
Direção: Flávio Frederico
Produção: Brasil / 2001
Com: Adriano Stuart, Turíbio Ruiz
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco




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