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"Alice" ganha nova tradução ilustrada no Brasil
Livro de Lewis Carroll é vertido ao português pelo historiador Nicolau Sevcenko e ilustrado pelo artista plástico Luiz Zerbini
Tanto no texto quanto nas imagens, nova versão do clássico da literatura tenta abarcar os vários mundos hiperbólicos do original
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma lâmina afiada separa os
mundos inventados por Lewis
Carroll em "Alice no País das
Maravilhas". No livro de 1865, o
escritor britânico arquitetou
um universo de duplos sentidos e reentrâncias semânticas
que oscila entre fantasia infantil e um dos mais elegantes registros em inglês vitoriano.
Foi esse o tom encontrado
por Carroll na história que começou contando à pequena -e
real- Alice Pleasance Liddell
num passeio de barco em Oxford. Acabou virando um dos livros mais traduzidos na história da literatura: a fantasia da
garotinha que entra na toca de
um coelho e se depara com uma
lagarta que fuma, um gato sorridente, um mar de lágrimas,
uma rainha louca e afins.
Nessa avalanche polifônica, o
historiador Nicolau Sevcenko e
o artista Luiz Zerbini tentaram
cravar significados para traduzir em imagens -e para o português- o clássico de Carroll,
reeditado agora no Brasil.
"Meu drama foi manter a tradução nesse gume afiado em
que Carroll construiu o texto
dele", diz Sevcenko, 57. "Esse
equilíbrio entre sofisticação e
ressonância infantojuvenil."
Sevcenko refez a tradução de
"Alice" que já tinha feito nos
anos 90. Revisitou trechos, traduziu os poemas que na edição
anterior não teve tempo de mexer e tentou agora fixar os registros específicos de cada personagem, buscando equivalentes em português para as diferentes classes sociais e variantes do inglês vitoriano que desfilam pelo original -usadas nas
paródias políticas de Carroll.
No caso das imagens, Zerbini
pensou duas vezes antes de
aceitar o desafio de ilustrar
"Alice". Disse não aos editores e
depois voltou atrás. "Há tantas
sugestões de imagens que é impossível competir com a velocidade do texto", diz Zerbini, 50.
"Dá para fazer 50 desenhos
com uma frase, é muita coisa."
Castelo de cartas
Zerbini então respondeu ao
mundo hiperbólico de Alice
com um universo particular,
feito de cartas de baralho. Em
vez de ilustrações literais, que
dessem corpo aos pontos fantásticos do enredo, fez um castelo de cartas metafórico.
Juntou jogos de baralho com
figuras de plantas, pessoas e
animais, recortou as formas e
inventou portas e janelas de um
mundo transitório, de não lugares que correspondem aos
mundos habitados pela personagem principal de Carroll.
"Construí uma história paralela à do livro", conta Zerbini.
"Pensei em fazer meu próprio
país das maravilhas, e os desenhos foram virando cenários."
Sem exagero, já que o artista
teve de arquitetar esses ambientes com as cartas e fotografar sucessões deles para ilustrar
as passagens da história.
Não deixa de ser um reflexo
indireto da natureza dupla, ou
múltipla, da língua em Carroll.
A seus animais falantes, estruturas matemáticas e redemoinhos sintáticos, Zerbini opõe a
carta de baralho, a imagem sobre um corte de papel articulada dentro de um jogo de possibilidades infinitas, a lógica dos
mesmos signos esfacelada entre universos distintos -do
truco ao pôquer multicolorido.
Nessa história que já foi vista
como ode lisérgica às drogas
alucinógenas, manual de explicação da teoria dos jogos e até
insinuações veladas de pedofilia, o castelo de cartas de Zerbini e a tradução "polifônica" de
Sevcenko acabam virando um
novo capítulo da trama.
ALICE NO PAÍS DAS
MARAVILHAS
Autor: Lewis Carroll
Tradução: Nicolau Sevcenko
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 45 (168 págs.)
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