São Paulo, terça-feira, 08 de janeiro de 2002 |
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Com "Lobão 2001 - Uma Odisséia no Universo Paralelo", cantor adota o formato do qual sempre foi crítico Telhado de vidro Lobão lança CD ao vivo nas bancas
Em entrevista, o compositor justifica decisão e diz que objetivo é ter as músicas tocadas nas rádios
PEDRO ALEXANDRE SANCHES DA REPORTAGEM LOCAL Crítico implacável da MPB domiciliado dentro da própria MPB, Lobão, 44, viverá dias de vidraça na segunda quinzena deste mês, quando despejar nas bancas de jornal, em esquema independente, 50 mil cópias de seu novo CD. "Lobão 2001 - Uma Odisséia no Universo Paralelo" é um disco ao vivo, quase todo feito de regravações, embora inclua poucos de seus hits dos anos 80 e prefira privilegiar músicas dos discos "Noite" (98) e "A Vida É Doce" (99). Lobão costuma criticar esse esquema caça-níqueis de fazer música, que andou lotando o mercado no final dos anos 90. Diz que não há contradição em adotar o formato e que, mesmo lançando o seu, continuará a criticar a peste dos álbuns ao vivo. Na entrevista a seguir, o ex-baterista, compositor e cantor carioca, que investe em aprender a tocar guitarra e volta ao peso e à sujeira do rock'n'roll, enumera razões para regravar sucessos e não-sucessos, compara-se a João Gilberto e diz que não é do contra. "2001" EM 2002 - "O disco devia
sair em setembro, mas houve o fator Bin Laden, e ele ficou para dezembro. Aí as editoras de algumas
das músicas do disco entraram
em férias sem assinar as autorizações. Os discos já estão na mão,
numerados, mas achamos por
bem não botar nas bancas à revelia. Devem sair na segunda quinzena de janeiro." GUITARRISTA? - "Agora aprendi
a tocar guitarra, um instrumento
que nunca toquei antes. Tinha
certa relutância, sou um cara preguiçoso, tenho problemas com
equipamentos tecnológicos. Me
expus a vexames para poder realizar o disco. O maior de todos foi
no festival Abril pro Rock, em que
me atrapalhei, fiquei sem saber
que botão apertar. Foi um horror,
achei que ia acabar minha carreira, fiquei com muita vergonha.
Agora sei que estou tocando melhor. Esse disco sujo e pesado retifica uma coisa que era nebulosa:
todo mundo pensava que quando
eu fazia um samba estava querendo me redimir do rock. Fiz um
CD de rock, e não foi de graça. Esse sou eu." AO VIVO - "Tenho, mais que ninguém, razões para fazer um disco
ao vivo, mesmo sendo alguém
que critica muito o formato. Tenho meu ritmo próprio, passei
dez anos curtindo com a cara desses babacas e só fazendo disco
inédito. Um inédito agora seria
um risco enorme no sentido comercial e empresarial. Ia fazer
mais 11 músicas para ficarem
num circuito restrito, não tocarem no rádio? Sou um homem
público, quero fazer jus a isso." RIDÍCULO - "Acho ridícula essa
coisa de disco ao vivo, e não existe
contradição entre fazer e continuar criticando. Meu disco ao vivo é legítimo, mas essa profusão
de discos ao vivo é uma porcariada. Não tem sentido fazer e vender a R$ 30, R$ 50. O meu custa R$
11,90. Disco realmente ao vivo é
barato, mas fazem discos todos
maquiados, de bandas que nem
sabem tocar ao vivo." SEM VELHOS HITS - "Gravei vários, mas tirei "Canos Silenciosos",
"A Queda", "Vida, Louca Vida"...
Não tivemos tempo para gravar, e
essas ficaram muito aquém. "Vida, Louca Vida" me pareceu Bon
Jovi, fiquei com vergonha. "A
Queda" estava indigente. Havia
um medley legal de "Mal Nenhum" e "Moonlight Paranóia",
mas o CD é todo pesado, não ficaria homogêneo se entrasse. "Decadence avec Elegance" ficou bonita,
"Rádio Blá" está engraçada. Quero
mostrar meu passado, mas com
certeza não vou regravar meus
grandes sucessos." TOCAR NO RÁDIO - "Quando
George Harrison morreu, vi uma
entrevista dele dizendo que se escondeu porque era frustrante ir
para o estúdio, gravar e não ouvir
no rádio depois. Dizem que estou
sumido, mas nunca fiz tanta coisa
quanto nos anos 90. Este é um disco de rock'n'roll pauleira, e não há
nada de rock atualmente no Brasil, a não ser o do Ira! e o do Charlie Brown Jr.. As rádios de perfil
rock estão constrangidíssimas,
vão acabar obrigadas a tocar sem
jabá. Digo: "Não sabem que antigamente era assim, que radialista
pegava o disco e tocava, simplesmente?"." MPB - "Tiro minha sonoridade
dos interstícios da música brasileira. Há uma prosódia brasileira
anexada a cada música do disco, o
arranjo de "A Noite" cita o axé. Jorge Ben e Nelson Cavaquinho são
rock'n'roll. Iron Maiden é tudo,
menos rock'n'roll. Quando todo
mundo estiver cantando alto,
provavelmente vou estar tocando
harpa paraguaia. Agora estou a
fim de fazer barulho. Estou ficando velho, acho que é meu último
lampejo de juventude." JOÃO GILBERTO - "Eu sou o João
Gilberto de agora. Meu disco é totalmente inspirado nele. Estou
para João Gilberto assim como ele
está para Orlando Silva. É como se
fosse um cara cantando e outro
tocando guitarra, e isso é João Gilberto. Estou a fim de produzir
João Gilberto, de fazer um disco
de gente grande com ele." O CANTOR - "Não sinto falta de
fôlego, não tenho problema de
respiração. Sempre forcei minha
voz. Gosto de cantar assim. Se é
defeito, eu noto. Acho que estou
cantando como nunca cantei." OBJETIVOS - "Meu intuito é continuar constrangendo o mercadão, continuar criando precedentes. É o contrário do que Caetano
Veloso quer fazer ao salvaguardar
Wanessa Camargo. Como enxergar onde está o mal sob o semblante escuro de Sandy e Junior?
Os homens de gravadoras não
trabalham direito, não promovem a música popular direito, fabricam cocô, têm que ser todos
demitidos. São burros, incompetentes, por meus critérios. Lançam bandas que têm que trocar
de nome, de roupa, de atitude, de
sonoridade. Eles não existem
mais, vou acabar com eles, esse é
meu plano. Os artistas têm que fazer o que gostam, isso é que é um
conceito moderno." SUPLA - "Achei ótimo o sucesso
nas bancas, mas não entendi Silvio Santos dando contrato de gravadora para ele, como se Supla
fosse um mendigo, um indigente.
Se já conseguiu vender nas bancas, por que precisava ir bater na
porta de gravadora?" BANCAS DE JORNAL - "Nem fui o
primeiro a fazer, foi Ary Toledo.
Antes teve Tim Maia, teve Juca
Chaves. Hoje há uma gama de artistas: Karnak, Marcelo D2, Wagner Tiso, Beth Carvalho... No Sul,
vendem Falamansa e Xanddy na
banca. É sensacional, mostra que
a música brasileira está viva, e que
a iniciativa do artista é muito bonita. Para mim, é um alívio ver
que não foi um engano, embora
tenham me chamado de maluco.
Agora é trocar conhecimento, dizer: "Olha, rapaziada, estou aqui,
se quiserem a receita do bolo". Tenho notado um carinho maior
por parte de meus colegas. Naná
Vasconcelos e Yamandu Costa
são meus xodós atualmente." DO CONTRA? - "A vida é uma coisa muito complicada, mas não
sou um cara do contra. Ser do
contra só por ser é como falar
"feio, chato e burro". Se eu fosse do
contra seria um reclamão, mas
sou um empreendedor. Sou a favor, estou criando outra corrente.
Se houvesse mais dois ou três
iguais a mim, seria ótimo. Quem
não tem "paudurescência" reclama que sou chato. Sou um cara
sério, se não forem sérios comigo
tripudio e passo como um trator." |
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