São Paulo, terça-feira, 08 de janeiro de 2002

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CRÍTICA

Roqueiro é asfixiado pelo próprio grito

DA REPORTAGEM LOCAL

Ele tem lá suas justificativas para legitimar o novo disco, mas é impossível não desconfiar que Lobão morde a própria cauda ao lançar "Lobão 2001 - Uma Odisséia no Universo Paralelo".
Por mais razões que possua para fazê-lo, seu disco é, ainda assim, aparentado de tudo que o artista rebelde critica com entusiasmo desde que adotou a postura de cabeça pensante num cenário musical cheio de "teletubbies", como ele próprio andou gostando de definir seus colegas.
Afora sair em 2002, o seu parece um disco ao vivo verdadeiro, mas ainda assim é um disco ao vivo, que participa de um cenário poluído por caça-níqueis às vezes displicentes, às vezes fraudulentos, quase sempre repetitivos e redundantes, quase nunca inspiradores. É difícil que Lobão consiga se diferenciar do cenário pavoroso que ele enxerga tão bem apenas no grito.
Quase todo de regravações, o disco privilegia canções recentes, acrescidas de peso e sujeira. O caráter retrospectivo, que em seu caso até faria sentido (porque seus discos estão quase todos escondidos nos baús das gravadoras) fica assim relativizado. Entre os sucessos que Lobão aceita abrigar em sua odisséia, como "Decadence avec Elegance", "Noite e Dia"/"Me Chama", "Rádio Blá" e "Vida Bandida", o esforço é de subverter os originais, adequando-os ao projeto de peso e sujeira do CD.
No resultado final, porém, Lobão soa bravo, irritado, gritão, como vinha sendo mais no discurso que na musicalidade. Se esse poder de briga é um de seus trunfos permanentes, fica ambíguo vê-lo reverter tal característica em música.
O ímpeto briguento, por fim, repercute artisticamente em mais um outro detalhe: a voz de Lobão. O roqueiro brasileiro canta de boca grande, desengonçado, afoito, às vezes ofegante, turvando nessas aflições a braveza e a bravura de sempre.
Cria-se bela metáfora: de tanto ter de gritar para se fazer ouvido, talvez Lobão se sinta asfixiado, incomodado pela necessidade do berro. Sua música é esclarecedora, mesmo quando mimetiza cacoetes do mercadão que há anos o isola. Que "Uma Odisséia no Universo Paralelo" possa ser útil para encher de ar os pulmões de um dos artistas ainda mais participantes da música nacional.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Lobão 2001 - Uma Odisséia no Universo Paralelo
  
Artista: Lobão Lançamento: Universo Paralelo Quanto: R$ 11,90 (nas bancas de jornal na segunda quinzena de janeiro)




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