São Paulo, sábado, 8 de fevereiro de 1997.

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ARTES PLÁSTICAS
Madri exibe `monumentos' de Kounellis

ALVARO MACHADO
especial para a Folha, em Madri

Em fevereiro, Madri torna-se capital européia dos modernos nas artes plásticas. Além da Feira Internacional de Arte Contemporânea (Arco), que nesse mês agita o circuito de museus e galerias com muita produção brasileira e latino-americana, a cidade mantém em cartaz a mostra Jannis Kounellis, uma das mais ambiciosas exposições temporárias já montadas no Museu Nacional Rainha Sofia.
Gigantesca, ocupando toda uma ala do antigo hospital transformado em meca da arte moderna, a mostra parece consagrar o artista como referência obrigatória da vanguarda neste final de século.
Para tanto, além da inédita reunião de 60 obras -esculturas e instalações de grande porte vindas de museus e coleções internacionais-, contribui a edição especial de um catálogo bilíngue (espanhol-inglês) de 480 páginas, com textos da curadora Gloria Moure, dos críticos José Jiménez e Ángel González, além de depoimentos do próprio artista.
Kounellis nasceu em 1936 na cidade-porto do Pireu (contígua a Atenas), mas em 1956 decidiu abandonar o isolamento artístico em que se encontra a Grécia para se estabelecer em Roma, onde o interessaram a pintura informal de Alberto Burri e as experiências de Lucio Fontana.
Apesar dos estudos na Academia, seu trabalho revela-se pouco permeável a influências, podendo ser identificado mais facilmente à inquietude característica da chamada "geração dos anos 60".
Apesar do auto-exílio, o porto grego -fervilhante e ocultador de códigos específicos, onde convivem matérias-primas e produtos os mais diversificados ao longo dos intermináveis cais-, marca suas obras de maior impacto.
Em macro-escala brutalista, a alienação "dada" de significados da matéria e sua composição dramática, teatral, oferecem ao espectador um percurso que parece rememorar visualmente as lições mais evidentes de "O Capital" de Karl Marx -ainda que o imenso catálogo da atual mostra não se aventure a estabelecer tal relação.
Não por acaso, a exposição dedicada ao artista pelo Museu de Arte Contemporânea de Chicago em 1986 estendia-se por quatro sótãos abandonados: dois armazéns, uma fábrica e um centro de reuniões de trabalhadores da cidade.
Templo
Os críticos americanos mencionaram "exploração do passado industrial da cidade", mas, segundo Kounellis, era mais propriamente de sua classe operária, e mais ainda "de uma fabulosa cultura proletária, que na Itália continuou viva até os anos 60".
Por outro lado, o caráter ritual-trágico imposto à apreciação das obras, algumas chegando a envolver fisicamente o espectador como um templo, evidencia outro acento grego: a pendência para o sacro, o mágico e o metafísico.
Em suas distribuições espaciais de materiais sem maquiagem -carvão, sacos de sementes e grãos, chapas de aço, ferro, pedras, manufaturados em escala industrial-, os críticos apontam a continuidade da tradição do Renascimento e do Barroco, "no sentido da permanência do espírito visionário dos grandes mestres daquela época".
De fato, Kounellis jamais perde oportunidade de afirmar que é, na verdade, um "pintor". Ou seja, por mais moderno que aparente ser seu modo de operação, o artista se engaja numa missão compositiva que implica o estabelecimento de uma certa ordem e, portanto, uma poética crítica e libertária.
No entanto, a retrospectiva não soa panfletária nem descritiva. O escândalo, desta vez, chegou por meio de uma inocente arara vermelha que integrava uma das instalações. Alegando que a ave não se alimentava e parecia deprimida, grupos ecologistas forçaram a sua retirada do espaço de exposição.
O assunto mereceu páginas dos principais jornais espanhóis, e o artista declarou-se "censurado" pelo Rainha Sofia, segundo algumas versões publicadas.
Além de plantas e animais silvestres, a presença humana é requerida em diversos trabalhos. Mais do que isso, o catálogo da mostra relaciona dezenas de colaborações de Kounellis com grupos teatrais.
As figuras vivas, sejam os cactos de um jardim ou os figurantes de uma ópera, evocam o caráter sagrado da natureza, como na antiga religião grega. A mitologia religiosa se revela ainda nas muitas "stelas" e portais murais com fragmentos de esculturas clássicas.
Sobre as suas intervenções teatrais, o próprio autor explica: "No momento em que a consciência da crise se dilata e alcança a totalidade da ação cênica, englobando o espectador como `cúmplice' e como `testemunha', o ator começa a ser capaz de `sair' do produto e de transformar-se autonomamente em `portador' de `elementos verdadeiros' e `vivos'" (...).
Vale registrar que não apenas os atores de uma montagem teatral ou de uma instalação, mas também as obras "inertes" de Kounellis conseguem atingir esse objetivo.

Retrospectiva: Jannis Kounellis Onde: Museu Nacional e Centro de Arte Rainha Sofia (r. Santa Isabel, 52, Madri) Quando: até 18 de fevereiro, das 9h às 18h, fechado às terças Quanto: 500 pesetas

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