|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTES PLÁSTICAS
Madri exibe `monumentos' de Kounellis
ALVARO MACHADO
especial para a Folha, em Madri
Em fevereiro, Madri torna-se capital européia dos modernos nas
artes plásticas. Além da Feira Internacional de Arte Contemporânea (Arco), que nesse mês agita o
circuito de museus e galerias com
muita produção brasileira e latino-americana, a cidade mantém
em cartaz a mostra Jannis Kounellis, uma das mais ambiciosas exposições temporárias já montadas
no Museu Nacional Rainha Sofia.
Gigantesca, ocupando toda uma
ala do antigo hospital transformado em meca da arte moderna, a
mostra parece consagrar o artista
como referência obrigatória da
vanguarda neste final de século.
Para tanto, além da inédita reunião de 60 obras -esculturas e
instalações de grande porte vindas
de museus e coleções internacionais-, contribui a edição especial
de um catálogo bilíngue (espanhol-inglês) de 480 páginas, com
textos da curadora Gloria Moure,
dos críticos José Jiménez e Ángel
González, além de depoimentos
do próprio artista.
Kounellis nasceu em 1936 na cidade-porto do Pireu (contígua a
Atenas), mas em 1956 decidiu
abandonar o isolamento artístico
em que se encontra a Grécia para
se estabelecer em Roma, onde o interessaram a pintura informal de
Alberto Burri e as experiências de
Lucio Fontana.
Apesar dos estudos na Academia, seu trabalho revela-se pouco
permeável a influências, podendo
ser identificado mais facilmente à
inquietude característica da chamada "geração dos anos 60".
Apesar do auto-exílio, o porto
grego -fervilhante e ocultador de
códigos específicos, onde convivem matérias-primas e produtos
os mais diversificados ao longo
dos intermináveis cais-, marca
suas obras de maior impacto.
Em macro-escala brutalista, a
alienação "dada" de significados
da matéria e sua composição dramática, teatral, oferecem ao espectador um percurso que parece rememorar visualmente as lições
mais evidentes de "O Capital" de
Karl Marx -ainda que o imenso
catálogo da atual mostra não se
aventure a estabelecer tal relação.
Não por acaso, a exposição dedicada ao artista pelo Museu de Arte
Contemporânea de Chicago em
1986 estendia-se por quatro sótãos
abandonados: dois armazéns, uma
fábrica e um centro de reuniões de
trabalhadores da cidade.
Templo
Os críticos americanos mencionaram "exploração do passado
industrial da cidade", mas, segundo Kounellis, era mais propriamente de sua classe operária, e
mais ainda "de uma fabulosa cultura proletária, que na Itália continuou viva até os anos 60".
Por outro lado, o caráter ritual-trágico imposto à apreciação
das obras, algumas chegando a envolver fisicamente o espectador
como um templo, evidencia outro
acento grego: a pendência para o
sacro, o mágico e o metafísico.
Em suas distribuições espaciais
de materiais sem maquiagem
-carvão, sacos de sementes e
grãos, chapas de aço, ferro, pedras, manufaturados em escala industrial-, os críticos apontam a
continuidade da tradição do Renascimento e do Barroco, "no
sentido da permanência do espírito visionário dos grandes mestres
daquela época".
De fato, Kounellis jamais perde
oportunidade de afirmar que é, na
verdade, um "pintor". Ou seja,
por mais moderno que aparente
ser seu modo de operação, o artista
se engaja numa missão compositiva que implica o estabelecimento
de uma certa ordem e, portanto,
uma poética crítica e libertária.
No entanto, a retrospectiva não
soa panfletária nem descritiva. O
escândalo, desta vez, chegou por
meio de uma inocente arara vermelha que integrava uma das instalações. Alegando que a ave não se
alimentava e parecia deprimida,
grupos ecologistas forçaram a sua
retirada do espaço de exposição.
O assunto mereceu páginas dos
principais jornais espanhóis, e o
artista declarou-se "censurado"
pelo Rainha Sofia, segundo algumas versões publicadas.
Além de plantas e animais silvestres, a presença humana é requerida em diversos trabalhos. Mais do
que isso, o catálogo da mostra relaciona dezenas de colaborações
de Kounellis com grupos teatrais.
As figuras vivas, sejam os cactos
de um jardim ou os figurantes de
uma ópera, evocam o caráter sagrado da natureza, como na antiga
religião grega. A mitologia religiosa se revela ainda nas muitas "stelas" e portais murais com fragmentos de esculturas clássicas.
Sobre as suas intervenções teatrais, o próprio autor explica: "No
momento em que a consciência da
crise se dilata e alcança a totalidade
da ação cênica, englobando o espectador como `cúmplice' e como
`testemunha', o ator começa a ser
capaz de `sair' do produto e de
transformar-se autonomamente
em `portador' de `elementos verdadeiros' e `vivos'" (...).
Vale registrar que não apenas os
atores de uma montagem teatral
ou de uma instalação, mas também as obras "inertes" de Kounellis conseguem atingir esse objetivo.
Retrospectiva: Jannis Kounellis
Onde: Museu Nacional e Centro de Arte
Rainha Sofia (r. Santa Isabel, 52, Madri)
Quando: até 18 de fevereiro, das 9h às 18h,
fechado às terças
Quanto: 500 pesetas
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|