São Paulo, sábado, 8 de fevereiro de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pinky Wainer faz vestidos conceituais

KATIA CANTON
especial para a Folha

Depois de quase três anos sem expor, Pinky Wainer reaparece em dose dupla: ela inaugura individual na galeria São Paulo, no dia 26, e mostra no Paço Imperial, no Rio, a partir de 5 de março.
Não que o tempo afastada do circuito das galerias tenha sido de pausa. Ao contrário, Wainer não parou quieta um minuto. Nesse sentido, o título da mostra revela-se emblemático.
"Labirinto, Faísca, Silêncio, Revelada, Avesso, Norte, Imensa" formam apenas algumas das cem palavras escritas e reescritas sobre uma tela de 1,70 por 1,50 metros. Trata-se da última obra realizada para a exposição.
A tela, intitulada "Vestido nº 32 - Monitoria" demorou três meses para ficar pronta. São apenas palavras, escritas, apagadas e reescritas coincidindo com mudanças da própria artista. Retiradas de um diário de palavras que Pinky Wainer constrói há anos, elas terminam, no quadro, de forma simbólica: "imensa ficção".
"Eu fui pintando e escrevendo, feito contagem de tempo de presidiário em cadeia. Apelidei o quadro de `Vestido nº 32 - Monitoria' porque estou comentando o universo feminino do vestido. Ao mesmo tempo, falo da pintura da vontade de subverter aquele tom didático de se tentar explicar uma obra de arte. No final, `imensa ficção' me deu liberdade."
Artista autodidata, Wainer foi autora de uma iconografia abundante, com homens tatuados, árvores, espinhas de peixes, panteras, estrelas de David, carimbando suas aquarelas desde os anos 70.
A partir de 94, ela levou esse universo imagético para as telas e mergulhou num fascínio pela descoberta das tintas e superfícies.
Desde então, imersa numa pesquisa pictórica levada a cabo com rigor e obsessão, Wainer passou a pintar um único tema: o vestido.
O estreitamento foi foco temático e trouxe efeito oposto: permitiu que a artista alargasse as possibilidades de construções da pintura e levou-a a investigações sobre a poética do universo feminino.
Reduzindo essa narrativa a uma única e austera figura -a do vestido tubo, sem mangas- ela rumou a investigações sutis.
Uma delas é um exercício de corte e costura sobre a matéria-prima pictórica. Ele toma corpo na maneira como Wainer sobrepõe tramas de cores, linhas e imagens, que são desenhadas, apagadas e refeitas.
A inquietação da artista torna-se uma seriação orgânica de vestidos e contornos, variável pelo ritmo das repetições e colagens de tecidos, que são depois arrancados, acumulando resíduos.
Pinky Wainer toma partido do fato de que a pintura contemporânea não se constrói apenas pelo intermédio do pincel e da tinta. A artista pinta grudando e desgrudando da tela vestidos reais, que são encharcados de tinta, ora embebidos em pasta de gesso, sal grosso e pó de ferro.
Nessa ação, as obras revelam texturas, registram marcas meio apagadas, comentam o passado do vestido e suas memórias. As telas tornam-se vultos.
É aí que as investigações passam a manipular o vestido dentro do universo feminino. O mais óbvio vem carregado de clichês sobre moda, fetiche, sexo, feminilidade. O desafio de Pinky Wainer passa a ser repetir a forma do tubinho à exaustão até esvaziá-la de seus conteúdos mais banais.
Aí brotam as palavras que carimbam certas telas. Aí acontece a síntese formal, de onde, do vestido, só se vê o rastro do fecho eclér. "São as sobras da alma", conclui.

Exposição: Labirinto, Faísca, Silêncio, Revelada, Avesso, Norte, Imensa Onde: Galeria São Paulo (r. Estados Unidos, 1.456, tel. 011/852-8855) Quando: 26 de fevereiro, às 21h; até 19 de março Onde: Paço Imperial (praça 15, 48, Rio de Janeiro) Quando: de 5 de março a 13 de abril Quanto: R$ 3.000 a R$ 5.000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1996 Empresa Folha da Manhã