São Paulo, sexta-feira, 08 de fevereiro de 2002

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Diretor faz as pazes com o circuito

RYAN GILBEY
DO "INDEPENDENT"

O ator e diretor francês Mathieu Kassovitz, 34, sente-se à vontade na área de recepção da embaixada francesa em Londres. "Aqui é o meu barraco", diz ele."Mas não é fácil trazer garotas de programa para um lugar como este."
A última vez que estive com Kassovitz foi em 1997, época em que mantinha duas carreiras paralelas: atuava para outros diretores e dirigia os próprios roteiros. Tinha ganho elogios da crítica por seu segundo longa, "O Ódio" (1995), um drama estiloso sobre distúrbios raciais ambientado num conjunto habitacional na periferia parisiense. As reações ao filme se dividiam entre os que se sentiam aliviados por alguém ter ousado tirar a tampa da panela de pressão e aqueles que recuavam diante de seu calor implacável.
Para equilibrar a balança, Kassovitz escreveu, dirigiu e atuou em "Assassinos", um suspense. Depois de "Assassinos", ele passou dois anos em Hollywood e retornou à França como empresário responsável. "Agora preciso cuidar de minha carreira e me dar melhor com as pessoas", diz ele, fazendo a frase soar como um mantra.
"Se você pisa na bola demais, acaba não conseguindo fazer outro filme." Parece difícil acreditar, mas o antes irreverente Kassovitz já se redimiu por completo aos olhos de seus conterrâneos.
Primeiro ele fez um thriller para o grande público, "Rios Vermelhos". Agora, aparece no enorme sucesso de bilheteria "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", a adocicada fábula em cores primárias dirigida por Jean-Pierre Jeunet, que levou o Goya de melhor filme europeu e está indicado para nada menos que 12 César.
Algumas vozes discordantes reclamaram que todos os rostos não brancos foram removidos da Paris retratada em "Amélie". Um crítico chegou a acusar o filme de lembrar a propaganda política fascista, e Kassovitz não demora a reiterar suas ameaças de violência contra o autor da crítica. "Não tenho problemas com críticos ruins", ele ruge, "mas esse sujeito está criando encrenca. Só quero que ele saiba que vou lhe dar uns sopapos."
Na realidade, se alguma coisa puder ser criticada em "Amélie", será que, em meio a suas idéias fantásticas, existe uma espécie de clima que remete a Forrest Gump.

Popularidade
Kassovitz, por sua vez, atribui o sucesso de "Amélie" ao fato de que "as pessoas em todo o mundo sonham os mesmos sonhos". A popularidade do filme é reconfortante para ele, dado que não foi escolhido para concorrer em Cannes. "Acabei fazendo parte do júri", ele conta, indignado, "e todos os filmes franceses eram uma droga, pode acreditar".
Ele aceitou o papel para poder trabalhar com Jeunet. Na outra ocasião em que estivemos juntos, Kassovitz disse que atuar era apenas um hobby para ajudá-lo a tornar-se um diretor melhor. "Atuando, você consegue dinheiro, conforto, mulheres", ele disse. "Mas não é um trabalho muito criativo."
Seu trabalho de ator em seu primeiro filme, "Métisse" (1993), lhe valeu prêmios de melhor ator revelação em lugares nos quais não se imaginaria nem sequer que tivessem eletricidade, muito menos festivais de cinema. Mesmo quando ele apareceu por 30 segundos como assaltante que ri sem parar e tenta roubar Bruce Willis em "O Quinto Elemento" (1997), energizou a tela com algumas centenas de volts de dinamismo travesso.
Kassovitz não parou de atuar -no ano que vem, será visto ao lado de Nicole Kidman na adiada comédia "Birthday Girl", de Jez Butterworth. Mesmo suas colaborações com Audiard são relegadas ao segundo plano. "Diziam-me o que fazer, mas eu não sabia realmente o que estava acontecendo."
Mathieu Kassovitz teve uma espécie de epifania quando representava um padre do Vaticano em "Eyewitness", o novo filme do veterano Costa-Gavras. "Foi a primeira vez que eu realmente me senti desafiado ao atuar", conta. "Esse foi o padre que descobriu o que estava acontecendo com os judeus nos campos de concentração. Era algo que eu podia sentir com paixão. Senti o peso da história sobre os ombros. E, quando eu fazia algo bom no set, voltava para casa com uma ereção."
Assim, quando você for assistir a "Eyewitness", vai poder dizer a você mesmo: "Este é o filme que fez Mathieu Kassovitz ter uma ereção". E, quando for ver "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", poderá dizer: "E este, não".


Tradução de Clara Allain



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