São Paulo, sexta-feira, 08 de fevereiro de 2002

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CRÍTICA

Ruas da cidade se tornam becos sem saída

CRÍTICO DA FOLHA

Vista de cima, recortada por uma lenta e cerimoniosa panorâmica, Marselha, cidade portuária mediterrânea, parece mesmo tranquila. Mas o diretor Robert Guédiguian não precisa nem mesmo descer até os becos sem saída de Marselha para que entendamos a ironia de seu título, "A Cidade Está Tranquila".
Na cobertura de um prédio, um velho político de esquerda flerta, sob o olhar da mulher, com a filha de um senador da nova direita francesa num coquetel de confraternização, enquanto estivadores protestam contra o desemprego iminente.
O fato de o personagem se prestar a coquetéis com políticos da nova direita prova que, mais do que desiludido, é um cínico pragmático. Não há desilusão no fato de passar a ecoar o discurso neoliberal de que a história (a pequena e a grande) acabou. Há apenas arrivismo. Sua mulher o acusará de usar o povo como conceito abstrato (antes revolucionário, hoje reacionário) para justificar a obsessão pelo poder.
O problema é que as ruas de "A Cidade Está Tranquila" só desembocam em becos sem saída. Os encurralados do filme fogem de um para cair em outro. Guédiguian desce ao rés-do-chão para nos revelar a catástrofe humana em cada um dos personagens para depois nos fazer ver neles um pouco da beleza do movimento inelutável da vida.
O certo é que a (pequena) história nunca acaba, como se vê nos exemplos de uma operária, que acaba envolvida com drogas e prostituição, e de um ex-estivador, que fracassa como taxista.
Os dois ensaiam uma relação, mas, numa sociedade assim desumanizada, quase moribunda em sua reificação, o amor simplesmente já não parece mais possível. (TIAGO MATA MACHADO)

A Cidade Está Tranquila
La Ville Est Tranquille    
Direção: Robert Guédiguian
Produção: França, 2000
Com: Ariane Ascaride, Jean-Pierre Darroussin, Gérard Meylan
Quando: a partir de hoje no Unibanco Arteplex e no Cineclube DirecTV


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