São Paulo, sexta-feira, 08 de fevereiro de 2002

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CRÍTICA

A alegria do texto some

DA SUCURSAL DO RIO

Ao ser publicado, há 25 anos, "Três Mulheres de Três PPPês" foi saudado sem meias medidas por Antonio Candido. "A sua modernidade serena e corrosiva se exprime numa prosa quase clássica", escreveu ele. Para Roberto Schwarz, o livro de estréia de Paulo Emílio Salles Gomes era "a melhor prosa brasileira desde Guimarães Rosa".
A reputação crítica dos três contos entrelaçados de Gomes manteve-se firme. Já a repercussão junto ao grande público, apesar das suas cinco edições (a mais recente é da Paz e Terra), ainda está por vir.
A adaptação de "Três Mulheres de Três PPPês" para o cinema poderia ser a porta de entrada do grande público em sua prosa. Foi o que aconteceu nos anos 70 com "Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade. O filme contribuiu para que Mário de Andrade deixasse de ser visto exclusivamente como intelectual e passasse a ser encarado como ficcionista.
A popularização de Paulo Emílio Salles Gomes por meio do cinema lhe faria justiça em dois planos. No fílmico, porque ele dedicou a sua vida intelectual ao cinema brasileiro. No plano literário porque, um quarto de século depois de sua publicação, "Três Mulheres de Três PPPês" surpreende pela pertinácia. O livro está vivíssimo. O cretinismo da elite paulista encontra nele retrato fiel.
Como a justiça é artigo raro, "Duas Vezes com Helena", inspirado no primeiro conto de "Três Mulheres de Três PPPês", tem pouco a ver com o espírito do livro de Paulo Emílio. É de se perguntar o que ele escreveria sobre o filme. Autor da tese de que o pior filme brasileiro é melhor que o melhor filme estrangeiro, Paulo Emílio talvez dissesse que a reconstituição de épocas e cidades tira o máximo de efeito de um orçamento exíguo. Certamente notaria a beleza de Christine Fernandes, no papel de Helena, a graça afinada de sua cintura.
Afora isso, não há quase nada a se dizer em favor de "Duas Vezes com Helena". O filme serve como ilustração epidérmica do livro de Gomes. O ponto de vista do filme é o do narrador do conto, o sisudo e sobretudo tolo Polydoro, e não o do escritor, Paulo Emílio, que tripudia do narrador e expõe a estreiteza mental e emocional da classe que ele representa.
O filme segue de perto o andamento do conto, que comporta dois movimentos. No primeiro, Polydoro (Fabio Assunção), rebento da elite paulistana, flana na Europa, simpatiza com o fascismo e trai seu mentor intelectual, o professor Alberto (Carlos Gregório), tendo um caso com sua mulher, Helena. No segundo, após três décadas, o trio se reencontra. Esclarece-se então que a traição não foi traição, que a atração sexual era teatro, que havia cálculo minucioso no que parecia espontâneo.
Em "Três Mulheres de Três PPPês", a farsa conjugal desenvolve-se em marcha acelerada, misturando assuntos e acumulando deboches. Há muito de molecagem na composição de Gomes. No filme, o ritmo é arrastado. A alegria do texto desaparece na tela.
"Duas Vezes com Helena" mais decepciona do que irrita. Mauro Farias é um diretor bem intencionado e perspicaz. Se não, não se aventuraria a adaptar "Três Mulheres". Mas o filme deixa uma sensação de tristeza: ainda não foi dessa vez que Gomes pôde ser reconhecido como um grande artista. (MARIO SERGIO CONTI)

Duas Vezes com Helena  
Direção: Mauro Farias
Produção: Brasil, 2001
Com: Christine Fernandes
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Unibanco Arteplex e Metrô Santa Cruz


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