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CRÍTICA
A alegria do texto some
DA SUCURSAL DO RIO
Ao ser publicado, há 25
anos, "Três Mulheres de
Três PPPês" foi saudado sem
meias medidas por Antonio
Candido. "A sua modernidade
serena e corrosiva se exprime
numa prosa quase clássica", escreveu ele. Para Roberto
Schwarz, o livro de estréia de
Paulo Emílio Salles Gomes era
"a melhor prosa brasileira desde Guimarães Rosa".
A reputação crítica dos três
contos entrelaçados de Gomes
manteve-se firme. Já a repercussão junto ao grande público, apesar das suas cinco edições (a mais recente é da Paz e
Terra), ainda está por vir.
A adaptação de "Três Mulheres de Três PPPês" para o cinema poderia ser a porta de entrada do grande público em sua
prosa. Foi o que aconteceu nos
anos 70 com "Macunaíma", de
Joaquim Pedro de Andrade. O
filme contribuiu para que Mário de Andrade deixasse de ser
visto exclusivamente como intelectual e passasse a ser encarado como ficcionista.
A popularização de Paulo
Emílio Salles Gomes por meio
do cinema lhe faria justiça em
dois planos. No fílmico, porque
ele dedicou a sua vida intelectual ao cinema brasileiro. No
plano literário porque, um
quarto de século depois de sua
publicação, "Três Mulheres de
Três PPPês" surpreende pela
pertinácia. O livro está vivíssimo. O cretinismo da elite paulista encontra nele retrato fiel.
Como a justiça é artigo raro,
"Duas Vezes com Helena", inspirado no primeiro conto de
"Três Mulheres de Três
PPPês", tem pouco a ver com o
espírito do livro de Paulo Emílio. É de se perguntar o que ele
escreveria sobre o filme. Autor
da tese de que o pior filme brasileiro é melhor que o melhor
filme estrangeiro, Paulo Emílio
talvez dissesse que a reconstituição de épocas e cidades tira
o máximo de efeito de um orçamento exíguo. Certamente
notaria a beleza de Christine
Fernandes, no papel de Helena,
a graça afinada de sua cintura.
Afora isso, não há quase nada
a se dizer em favor de "Duas
Vezes com Helena". O filme
serve como ilustração epidérmica do livro de Gomes. O
ponto de vista do filme é o do
narrador do conto, o sisudo e
sobretudo tolo Polydoro, e não
o do escritor, Paulo Emílio, que
tripudia do narrador e expõe a
estreiteza mental e emocional
da classe que ele representa.
O filme segue de perto o andamento do conto, que comporta dois movimentos. No
primeiro, Polydoro (Fabio Assunção), rebento da elite paulistana, flana na Europa, simpatiza com o fascismo e trai seu
mentor intelectual, o professor
Alberto (Carlos Gregório), tendo um caso com sua mulher,
Helena. No segundo, após três
décadas, o trio se reencontra.
Esclarece-se então que a traição
não foi traição, que a atração
sexual era teatro, que havia cálculo minucioso no que parecia
espontâneo.
Em "Três Mulheres de Três
PPPês", a farsa conjugal desenvolve-se em marcha acelerada,
misturando assuntos e acumulando deboches. Há muito de
molecagem na composição de
Gomes. No filme, o ritmo é arrastado. A alegria do texto desaparece na tela.
"Duas Vezes com Helena"
mais decepciona do que irrita.
Mauro Farias é um diretor bem
intencionado e perspicaz. Se
não, não se aventuraria a adaptar "Três Mulheres". Mas o filme deixa uma sensação de tristeza: ainda não foi dessa vez
que Gomes pôde ser reconhecido como um grande artista.
(MARIO SERGIO CONTI)
Duas Vezes com Helena
Direção: Mauro Farias
Produção: Brasil, 2001
Com: Christine Fernandes
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco, Unibanco Arteplex e Metrô
Santa Cruz
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