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Comentário
Musicalidade complexa atrai os intérpretes
SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA
Como seria juntar Mozart e Beethoven, "unidade na diversidade" e
"variação contínua"? Uma resposta pode ser "Tutti", de Felipe Lara, escrita para formação
análoga a de "Pierrot Lunaire",
de Schoenberg, e gravada pelo
Percorso Ensemble no CD nacional "Música Plural".
"Tutti" é obra "difícil", experimental. Todos tocam o tempo
todo, o que faz do grupo um
"instrumento complexo sintetizado artesanalmente", que
flui até entrar em colapso ou estancar em "pausas para reflexão". Cada linha é um todo que
ora preserva ora subverte características idiomáticas. A solução de confrontar a estaticidade da série harmônica com
quatro séries dodecafônicas, e o
controle da tensão entre retórica e justaposições súbitas são
achados brilhantes: mais do
que um "hegelianismo delirante", as antinomias de Lara abarcam lógica formal e dialética,
como se saíssem da "filosofia
concreta" de Mário Ferreira
dos Santos (1907-1968).
"Tran(slate)", por outro lado,
dramatiza "kantianamente" a
inquietação diante das "coisas
em si", e como "Corde Vocale",
seu primeiro quarteto de cordas (gravado pelo Arditti para o
CD "Quatro Visões na Música
Paulista"), trabalha processos
de "tradução" que se tornam
imagem do ato de compor.
Semih Kaplanoglu, vencedor
do Festival de Cinema de Berlim deste ano, define seus filmes como "difíceis". Isso não
impede que sejam realizados,
premiados e debatidos. Felipe
Lara não escreve nada para ficar engavetado: sem abrir mão
das cicatrizes do espírito, sua
musicalidade complexa atrai
intérpretes e provoca a escuta.
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