São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2010

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Comentário

Musicalidade complexa atrai os intérpretes

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

Como seria juntar Mozart e Beethoven, "unidade na diversidade" e "variação contínua"? Uma resposta pode ser "Tutti", de Felipe Lara, escrita para formação análoga a de "Pierrot Lunaire", de Schoenberg, e gravada pelo Percorso Ensemble no CD nacional "Música Plural".
"Tutti" é obra "difícil", experimental. Todos tocam o tempo todo, o que faz do grupo um "instrumento complexo sintetizado artesanalmente", que flui até entrar em colapso ou estancar em "pausas para reflexão". Cada linha é um todo que ora preserva ora subverte características idiomáticas. A solução de confrontar a estaticidade da série harmônica com quatro séries dodecafônicas, e o controle da tensão entre retórica e justaposições súbitas são achados brilhantes: mais do que um "hegelianismo delirante", as antinomias de Lara abarcam lógica formal e dialética, como se saíssem da "filosofia concreta" de Mário Ferreira dos Santos (1907-1968).
"Tran(slate)", por outro lado, dramatiza "kantianamente" a inquietação diante das "coisas em si", e como "Corde Vocale", seu primeiro quarteto de cordas (gravado pelo Arditti para o CD "Quatro Visões na Música Paulista"), trabalha processos de "tradução" que se tornam imagem do ato de compor.
Semih Kaplanoglu, vencedor do Festival de Cinema de Berlim deste ano, define seus filmes como "difíceis". Isso não impede que sejam realizados, premiados e debatidos. Felipe Lara não escreve nada para ficar engavetado: sem abrir mão das cicatrizes do espírito, sua musicalidade complexa atrai intérpretes e provoca a escuta.


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