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O DIA-A-DIA NA PRISÃO
Punição e castigo
HOSMANY RAMOS
especial para a Folha
Acordo ensopado de suor. Tive
uma noite repleta de pesadelos.
Sonhei com o juiz esticando o dedo na minha direção, gritando:
"Vou te mandar pra Taubaté, pra
você parar de ficar falando bobagens. A lei quem faz sou eu. Entendeu?!". E eu respondendo como numa oração: "Amém,
amém, amém".
Um dia na cadeia é barra. Andar
pra lá e pra cá, pensar, comer, cagar, dormir, escrever, ler e reler.
Entre um dia e outro, uma noite
de sono atormentada. Quem disse que amanhã será diferente?
Amanhã, pra variar, eu vou fazer
as mesmas coisas. Vou acordar na
mesma hora, escutar a mesma batida de grades, ouvir o barulho
das mesmas vozes e comer a mesma gororoba.
Resistir na prisão é sinônimo de
máximo sofrimento. Às vezes
penso que estou ficando maluco,
pego-me falando sozinho, andando como um robô. As palavras
batem nas paredes, como um sonar, e voltam para mim, antes que
eu possa pronunciar a palavra seguinte. São incríveis os papos da
cadeia, na sua maioria escutar
"causos" e façanhas. Antes, escutava falar de prisões e ouvia casos
escabrosos sobre criminosos, mas
estava absolutamente enganado.
Aqui, tudo é diferente do que eu
imaginava. Os prisioneiros, na
sua maioria, são muito educados.
Acho que é porque todo mundo
pode descolar uma faca, e todos
temem levar uma "pregada" de
surpresa, como já vi acontecer.
O guarda aparece, bate a chave
na minha porta e pergunta se
quero sair para o banho de sol.
A figura dele me impressiona.
Imagino que o jovem, quando resolve tornar-se um guarda de presídio, está fazendo uma opção, no
mínimo, desesperada. É compreensível que as chances de arrumar um bom emprego hoje em
dia são mínimas etc etc. Todavia,
no caso do guarda, a opção é meio
suicida. É como se ele estivesse
preferindo morrer. Para ele, cada
dia de trabalho pode ser a véspera
do funeral. Olho para ele com
meu olhar cevado à rancor e digo:
"Vou!". Ele responde: "Vai mesmo?", e sua voz tem a doçura de
um adeus. Eu sinto que ele está
treinando, a cada dia, para a grande partida.
No pátio, a bola está furada. Os
presos ficam dando voltas, como
na pintura de Van Gogh.
A rápida meia horinha se esvai,
e somos recolhidos como bois ao
tronco. De volta à cela, faço duas
horas de ginástica aeróbica, na
tentativa de aplacar a neurose e
cansar o corpo. Depois, fico prostrado e ando como um bicho enjaulado, arrastando os pés sobre o
piso de cimento esfregado por pés
de outros desesperados que padeceram da mesma agonia que eu,
por anos a fio.
Escuto um barulho na galeria e
lavo o meu prato de plástico. O almoço é servido sempre na mesma
hora e consiste de feijão, arroz e
carne. O gosto não é satisfatório,
mas não dá pra reclamar. Sei que
milhares de pessoas lá fora não
têm sequer o que comer.
Enquanto mastigo, meu pensamento volta para a realidade prisional. É desanimador. As prisões
são verdadeiras escolas do crime.
O ambiente penitenciário não
tem nenhuma diferença do meio
criminal. Não existe diferença entre as zonas de má vida das cidades e o ambiente prisional, a não
ser a ausência das mulheres, com
o predomínio das drogas.
Depois do almoço, escovo os
dentes e ando durante 40 minutos
para ajudar a digestão. Enquanto
ando, imagino os livros que gostaria de ler. Pela minha cabeça
passa uma listagem enorme de livros não lidos; entretanto isso fica
apenas no plano dos sonhos, já
que a biblioteca do "Piranhão"
não funciona adequadamente.
A parte da tarde é a mais asfixiante da prisão. Alguns tomam
comprimidos para dormir e não
vêm as horas passarem. Monteiro
Lobato disse que o preso vive dias
de cem horas. Acho que ele tinha
toda razão e se referia às tardes.
Hoje, pra variar, o clima da prisão ficou movimentado com a
chegada de um novo castigado. A
curiosidade de todos é visível. A
galeria logo fica inundada de gritos. Todos querem saber o "B.O."
que o cara meteu pra vir parar no
"Piranhão". Logo fico sabendo
que ele veio direto do Depatri por
"bronca" de computador. Alguém diz: "O ladrão moderno pode roubar mais com um computador do que com um revólver".
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