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FERNANDO BONASSI
A guerra vista do sofá
Um porto escondido. Um vento desencanado. Um sol de
rachar. Avançam os cadilaques
blindados pela nova Rota 66, rumo ao desbravamento do oriente
selvagem! As câmeras, em caravana, registram passo a passo na
areia movediça, enchendo de pedrinhas as botas dos jornalistas.
Enquanto isso, aviões faraônicos
sobrevoam de sobreaviso as pirâmides místicas. Um barril de desgraças viscosas por mil anos de
prosperidade reúne os três últimos impérios falidos.
Economistas informam que essas energias andam muito em
baixa na bolsa de Londres. Uma
desconfiança das arábias esmagada pelas lagartas dos tanques.
Como Elvis e Lennon já morreram noutras batalhas, levam nos
seus MP3s o rock envergonhado
dessa operação cirúrgica... mas
não se iludam os muçulmanos
empoeirados: esses médicos camuflados não passam de soldados! Na verdade, jovens assustados, com o coração e um chiclete
na boca.
As pistolas eretas por dentro das
calças vasculham o campo minado de explosões e refugiados. Sobem colinas. Catalogam mesquitas. Varejam terroristas. Bisbilhotam a caserna alheia com binóculos noturnos. Trocam sinais esquisitos. Falam palavrões, ficam
aflitos. Soltam fogos de artifício
pra avisar que vêm chegando sem
licença das outras nações desunidas. Os videofones encontram-se
focados. Os canhões lubrificados
apresentam-se excitados. As granadas ardendo nos dedos esfolados. Ensaiam emboscadas de surpresa. Brincam de ataques planejados. As bombas endereçadas
com piadas desgraçadas.
Bandeiras são fincadas nos orifícios das outras como um refresco. Ainda assim os caubóis mascarados temem até respirar e cercam-se de cuidados. Colhem
amostras do ar. Fazem pesquisas,
laçam cabritos magros pro jantar.
Têm desejos de hambúrguer e
churrasco. Escrevem cartas à civilização com saudade de cama arrumada, da mulher arrumada e
da vida prosaica onde os cantis
foram substituídos por torneiras e
os buracos negros por privadas.
Alguém tinha de fazer esse serviço? E logo eles?! Por essas e outras, suam em bicas por cima dos
fuzis protegidos de ferrugem. Procuram vietcongues escondidos em
cavernas onde Cristo perdeu os
chinelos de couro e a Mendes Júnior construiu estradas pros Brazílis trafegarem. Onde os curdos
são asfixiados entre sírios e turcos
preocupados. Onde também pode
perfeitamente sobrar pros judeus,
que têm muito a ver com isso e
nem estão aí pra esses novos messias... Aliás, Marines, cuidado! Os
minaretes espetados podem estar
envenenados! Maomé pode ter sido inoculado nesses negros de
Chicago!
Quando anoitece esverdeado,
bilhões de olhos humanos são
postos pra lá de Bagdá, onde os
cruzamentos fazem roleta-russa
por medo dos alarmes. Então,
conforme anunciado pelo presidente penteado, acontece o espetáculo. Baterias espocando nos
quintais. Uma cidade acordada
em pânico dos travesseiros de pena corre pras vidraças estilhaçadas nos banheiros. Procuram B52
que os carregue dessa merda. Um
fã do Oasis pilota um caça esfomeado. Não há arranha-céus que
atrapalhem ou atraiam seus instintos assassinos. Abre a braguilha e despeja sua carga. Cogumelos malformados brotam dos espaços. Há mais luz para as filmagens agora! Parques devastados.
Árvores e lideranças decapitadas.
Quem é mesmo o Marlon Brando dessa história? Gritaria. Ruínas perdidas. Civis fragmentados
nas calçadas. Barracos desmoronados nas esquinas. Cofres arrombados por patriotas desgovernados. Uma tempestade num deserto de copos d'água...
Essa é que é a verdade? Os monumentos aos homens conhecidos
onde as pombas se descarregam,
no entanto, continuam em pé desafiando a paisagem tostada.
Nunca foi tão difícil saber pra que
lado atirar e o fogo amigo é um
perigo! Faz os helicópteros despencarem e os cadáveres entrarem pelas casas de família.
ATENÇÃO: um dia as mães proibirão o alistamento militar obrigatório. As crianças derramadas
nos hospitais serão utilizadas em
propaganda de creme hidratante.
Elas choram pelos mesmos peitos
esmagados nas carteiras dos recrutas apaixonados. Aparentemente os intérpretes não sabem o
que falam com medo de se desentenderem ainda mais por essas estranhas línguas entaladas na garganta. Também pode ser que Saddam Hussein se multiplique num
milagre de sósias; peixes iguaizinhos para a alimentação das fantasias mais esquisitas.
ATENÇÃO: será necessária
apresentação de documento com
fotografia no ato de fuzilamento.
O fato é que é um vilão pior que o
outro. O filme é mal escrito entre
um começo sem razão e um final
que eu nem imagino como juntar
tanta incoerência desses personagens! Mesmo os efeitos especiais já
não são mais aquela novidade estapafúrdia das últimas aventuras
desse tipo. De mais a mais, há
muita gente contra a empolgação
dos generais de cabelo curto de
um lado e a exaltação dos generais de bigode do outro e os que
têm o devido interesse de ser a favor -seja por um desses poços semi-artesianos ou uma fazenda de
boi gordo no Texas- nem saem
de seus palácios e casas branquinhas pra sentirem as balas lhes tirarem pedaço das orelhas.
É claro que um diplomata bem
vestido pode aparecer de uísque e
microfone em punho, pedindo
trégua e gelo, mas gente desse tipo
nem levamos a sério na BBC... E
assim assistimos à madrasta de
todas as guerras sem graça... Por
aqui os pedaços de pizza beliscados são igualmente amargos.
Apagamos o abajur e dormimos
tranquilos, estirando-nos junto
aos magistrados justiçados na televisão.
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