São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

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CRÍTICA

Dança Brasil 2004 renova os espaços do corpo

INÊS BOGÉA
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

"O espaço é um aspecto escondido do movimento, e este, um aspecto visível do espaço", dizia Rudolf Laban (1879-1958). A frase poderia servir de mote para o Dança Brasil 2004, "O Espaço que (nos) Inspira", que tem sua oitava edição no Rio de Janeiro e terceira em Brasília. Em cena, serão sete coreografias abordando maneiras de se "relacionar com a dimensão espacial": Basirah (DF), Kaiowas (SC), Luciana Gontijo & Margô Assis (MG), Thembi Rosa (MG), Cia. Carlota Portella - Vacilou Dançou (RJ), Celina Portella & Flávia Costa (RJ) e Zikzira Physical Theatre (MG/Inglaterra).
Quem abriu a temporada em Brasília e estréia hoje no Rio foram as companhias Basirah, com "Eu Só Existo Quando Ninguém me Olha", e Kaiowas, com "Pausa". O espaço é branco em "Só Existo..." -colchão, cadeira, vaso sanitário-, onde três bailarinos revelam intimidade e solidão. De situações caseiras como tomar chá ou conversar com uma planta, ou se vestir ou se despir, passa-se a uma dança fluida, com mudanças de ritmos e de direção, chegando a quedas e à volta ao cotidiano, com movimentos mais lentos, espichados. Tudo sugere a turbulência interior, mesmo na aparente calma ou tédio. Ao fundo, um vídeo: uma faca cortando incessantemente legumes.
Talvez ainda escape ao espetáculo um sentido mais dramático de organização das partes, para alcançar suas tensões. As relações propostas entre transparência e opacidade, sugestão e revelação, movimento e imobilidade nem sempre chegam a termo; tudo se passa num tempo quase linear, com cenas que se sucedem sob risco de se esvaziar de sentido.
É um risco de outra ordem que se vê em "Pausa". O espaço do chão é dividido por cores (branco, vermelho e preto) e os movimentos violentos põem o corpo em situação de perigo. Karina Barbi, diretora do Kaiowas, é integrante do Cena 11 de Florianópolis, e muito do que faz traz marcas desse outro trabalho. As sucessivas quedas, de braços abertos e rosto voltado para o chão, são uma constante aqui como lá. O uso de apoios, do peso do corpo e das possibilidades de relação entre um corpo e outro também são cruciais.
Quatro mulheres retratam a violência pelas quais os corpos passam, num palco de chão geométrico, inspirado na obra do pintor holandrês Piet Mondrian (1872-1944). Tudo é bem cuidado e estudado; aqui e ali a repetição excessiva e/ou a violência nos gestos oculta a suavidade e engenhosidade das construções. No início, o plano inclinado favorece a construção da relação e da investigação, retomada depois no uso do biombo, com a experimentação do peso dos corpos e de sua capacidade de sustentação no ar. Do movimento no espaço à geometria dos planos, são outras possibilidades de perceber a vida dos corpos em movimento.
Dizer que essa dança trabalha o espaço é muito pouco e muito geral; mas o modo como trabalha lhe dá singularidade e sentido. Quem olha, de fora para dentro, se vê olhado de dentro para fora. Os movimentos nos decifram, percorrendo a seu modo a trajetória do visível ao invisível e permitindo uma renovação, mais uma vez, do que se pensava articulado e pronto.


A crítica Inês Bogéa viajou a convite da produção do evento.

DANÇA BRASIL 2004. Onde: CCBB - Rio (r. Primeiro de Março, 66, RJ, tel: 0/xx/ 21/3808-2020); Brasília (SCES, trecho 2, conjunto 22). Quando: até 25/4 (Brasília); até 2/5 (Rio). Quanto: Rio: de R$ 5 a R$ 10; Brasília: de R$ 7,50 a R$ 15. Programação completa no site www.dancab.com.br.


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