São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Próximos capítulos teriam modernismo decadente

CASSIANO ELEK MACHADO
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de três meses no ar, "Um Só Coração" termina nesta noite tendo a São Paulo de 1954 como pano de fundo.
Pelo menos metade dos mais de cem personagens da série, escrita por Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, nunca existiu, e seu futuro só os autores poderiam saber. Outros tantos personagens reais, como Mário de Andrade e Santos Dumont, já haviam morrido há 50 anos. Mas e os demais?
Se "Um Só Coração" continuasse ocupando a última faixa das noites da TV Globo, mostraria as grandes estrelas remanescentes do modernismo brasileiro em situação melancólica.
O "a seguir cenas dos próximos capítulos" já começaria com um final infeliz. Em outubro do mesmo 1954 morreu Oswald de Andrade, que já vivia um longo período de amarguras.
As duas grandes artistas modernistas, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, poderiam seguir nos televisores por muitas semanas de minissérie. A primeira viveria até 1973, e a pintora de "O Homem Amarelo" morreria em 1964.
Mas artisticamente elas já estariam fora das telas. Já em 1937 Tarsila era vista como uma artista "sem rumo", segundo o crítico Geraldo Ferraz, no jornal "Diário da Noite". Anita, que teve seu auge antes mesmo da minissérie (que começa em 1922), já se definia em 1924, em carta ao amigo Mário de Andrade, da seguinte forma: "Estou clássica. Como futurista morri e já fui enterrada".
O único a ter sobrevida artística entre os modernos da minissérie foi Flávio de Carvalho (1899-1973), que em 1956 realizou o "Experimento nš 3", caminhando de saia por São Paulo, tendo ao lado, entre outros, Ciccillo Matarazzo.
O industrial, aliás, seria o principal destaque da virtual seqüência de "Um Só Coração". "Edson Celulari", que já aparece criando a Bienal -e seria presidente da Fundação Bienal até 1975- ainda fundaria o Museu de Arte Contemporânea (em 1963), já separado de Yolanda.
Ciccillo morreria em seu apartamento, no Conjunto Nacional (avenida Paulista), em 1977. Yolanda (Ana Paula Arósio) poderia seguir na "minissérie" até 1983.
Hoje, no final de "Um Só Coração", Arósio e Celulari devem aparecer em uma festa de casamento (de reconciliação), liberdade poética dos autores da série.
Nessa festança devem estar presentes a maior parte dos personagens reais vivos em 1954.
Menotti del Picchia (que morreu em 1961), Assis Chateaubriand (que no final de 1954 seria eleito para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira de Getúlio Vargas, e que morreria só em 1968), Guilherme de Almeida (que em 1959 seria eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros, em concurso do jornal carioca "Correio da Manhã") e a dupla Luis Martins e Anna Maria Martins (esta ainda viva), devem aparecer na mesma festa, alegres e contentes. O final feliz vence outra vez.


Texto Anterior: Televisão: Minissérie abre TV a celebridades teatrais
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.