São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

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TELEVISÃO

"Um Só Coração", que termina hoje, promoveu a estréia na Globo de atores com consagração restrita aos palcos

Minissérie abre TV a celebridades teatrais

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Intelectuais incendiários na vida real, os escritores modernistas Oswald de Andrade (1890-1954) e Mário de Andrade (1893-1945) levados à ficção pela minissérie global "Um Só Coração" contribuíram para encurtar a trincheira da disputa "ator de teatro" versus "ator de TV".
Os intérpretes de Oswald (José Rubens Chachá, 49) e de Mário (Pascoal da Conceição, 50) são grandes nomes do teatro paulistano que nunca haviam aparecido na tela da Globo.
Conceição tornou-se ator nos anos 80, quando abandonou um emprego no Banco do Brasil pelo trabalho não-remunerado com o Teatro Oficina, de José Celso Martinez Corrêa. Com Zé Celso, respondeu até a processo, por uma peça baseada em poema de Oswald de Andrade.
Pela apresentação de "Mistérios Gozozos" em Araraquara (SP), em 1995, diretor e atores do Oficina foram acusados de aviltar valores e objetos religiosos. Em 2000, foram absolvidos.
"Trabalhar no Oficina tão profundamente durante tantos anos me preparou para fazer com a devida humanidade esse personagem", diz Conceição.

São Paulo
O ator diz que, durante as gravações, teve sempre presente o objetivo de "representar bem os atores de São Paulo, o teatro de São Paulo". E serviu-se da nostalgia de sua cidade para a passagem em que a minissérie relatou a morte do escritor, por exemplo.
Apenas a voz de Conceição seria usada na cena, com a narração de "Poemas da Amiga", em que o escritor elege os lugares de São Paulo onde gostaria que seu corpo sem vida fosse enterrado.
Como a leitura era em "off" (sem imagem simultânea), o diretor da cena supôs que Conceição teria o texto à mão. Mas o ator preferiu decorá-lo e dizê-lo pensando em seu próprio afeto por São Paulo e no fato de que "estava longe da cidade, do Teatro Oficina, dos amigos, de casa". O resultado, segundo Conceição, "é essa emoção verdadeira, que a televisão e qualquer lugar quer".
Antes de viver o papel de Oswald em "Um Só Coração", Chachá interpretou-o no teatro, em "Tarsila", escrita por Maria Adelaide Amaral, co-autora da minissérie, com Alcides Nogueira.
Chachá aceitou o convite para trabalhar na televisão sem negar o "preconceito velado que as pessoas de teatro têm das que trabalham na TV". No desenrolar das gravações, o ator reconsiderou sua expectativa -"Conheci atores oriundos de TV que são maravilhosos"- sem abandonar a convicção de quem escolheu o palco como o seu lugar definitivo. "A primeira coisa que eu dizia para esses atores era: "Pô, você é tão bom! Por que não vai fazer teatro?'", conta Chachá e ri, ironizando a si mesmo.
Outro veterano do teatro paulista que fez sua estréia na Globo é Leopoldo Pacheco, 43, intérprete do personagem Samir.
Pacheco protagonizou no teatro a montagem de "Pólvora e Poesia", escrita por Alcides Nogueira. O ator recebeu o Prêmio Shell pela interpretação, e o autor ficou com vontade de apresentá-lo à Globo. Pacheco diz que gostou da idéia de ser apresentado, embora receasse o formato industrial de produção dramatúrgica.
Os receios se dissiparam com a prática. "Quando assisto, percebo que estão lá as sensações que eu tinha ao interpretar para a câmera." A popularidade da minissérie -que chega hoje ao último capítulo havendo conquistado um lugar entre as maiores audiências da Globo desde a sua estréia, em janeiro- deixou Pacheco em "uma situação, no mínimo, curiosa".
"As pessoas na rua vêm me dizer que sou ótimo ator, que fiz um lindo trabalho, mas não sabem quem eu sou", diz. Não há mágoa na constatação de Pacheco sobre seu anonimato para o grande público, depois de 23 anos de carreira teatral. "O teatro tem cada vez menos público. Tenho noção de até onde chega esse alcance."
Conceição, Chachá e Pacheco dizem que encerraram a primeira experiência na tela da Globo sem arrependimentos e com o desejo de repeti-la. Conceição/Mário anda até rememorando uma frase de Oswald/Chachá: "A massa ainda vai comer o biscoito fino que eu fabrico".


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