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São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2003

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BIENAL DE ARTES DE VENEZA

Em visita a São Paulo, Francesco Bonami critica os museus e as exposições "blockbuster"

Curador ataca a "ditadura do público"

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

A próxima Bienal Internacional de Artes Visuais de Veneza, que será aberta em 15 de junho com o tema "Sonhos e Conflitos", pretende reinstaurar uma relação entre o observador e a obra de arte.
O curador-geral Francesco Bonami disse à Folha: "As exposições "blockbuster", que muitos museus têm organizado, passaram a relacionar-se com uma entidade abstrata, o público, tentando atuar como máquinas de publicidade e descobrir o que esse público deseja. Com "A Ditadura do Observador" [subtema da bienal], busco propiciar ao indivíduo a experiência da arte, colocando a imaginação do observador frente à imaginação do artista".
Para tanto, o curador selecionou oito assistentes, entre eles a francesa Catherine David e o argentino Carlos Basualdo, que irão organizar exposições dentro da bienal sem pretender uma unidade. "O observador irá de uma realidade para a próxima e terá seu próprio tempo. Com isso, a memória irá reprocessar todo esse movimento, com o que espero afastar as acusações de que a bienal não é viva", afirma Bonami. Tal modelo não é novo, foi utilizado por Paulo Herkenhoff na 24ª Bienal de São Paulo, em 1998, na qual o curador italiano esteve presente e afirmou ter admirado.
Seria esse modelo uma forma de reduzir o papel do curador na cena das artes plásticas?
"Creio que quando Harald Szeeman, na Bienal de Veneza passada, apresentou como última obra o famoso trabalho de Joseph Beys "O Fim do Século 20", isso significou de fato o fim do que chamo o grande curador, aquele capaz de impor uma única visão. É uma ilusão imaginar que eu, mesmo que viaje por todo o mundo, seja capaz de fazer uma mostra diversa. Como sou encarregado de uma exposição que tem a pretensão de representar o mundo todo, isso só pode ocorrer se suas diferenças e contradições estiverem explicitadas. Para tanto, convidei curadores com posicionamentos muito diferentes e não interferi nas escolhas feitas."
A crítica de Bonami às mostras "blockbusters" (feitas para alcançar o grande público) estende-se também ao museu Guggenheim, que acaba de fechar o contrato para a construção da sucursal no Rio de Janeiro. "Há o "dark side" do Guggenheim e o seu lado positivo. Thomas Krens [o diretor do museu com sede em Nova York] é um dos poucos visionários em arte contemporânea. Ele criou um modelo de museu que vai além de suas paredes, tornando-se um símbolo, e isso é seu lado bom. Mas há o lado negativo, que é a recusa do conteúdo, como ocorre em Bilbao. O museu lá é uma grande escultura, mas não há nada dentro e é fundamental que um museu tenha conteúdo. Eles estão criando catedrais sem ter fé, sem saber para qual deus se deve rezar", afirma o curador.
Bonami esteve nos últimos dois dias em São Paulo para divulgar o programa da bienal, primeira vez que tal fato ocorre. Mas não é foi só a capital paulista, ou outras grandes metrópoles como Paris e Nova York, que Bonami visitou.
Ele tem passado por várias pequenas cidades italianas, como Pádua ou Trieste, pois uma de suas missões é ampliar o público da mostra.
"A Documenta, na Alemanha, tem uma média de 600 mil visitantes, contra apenas 300 mil em Veneza. Mas lá 50% do público é de alemães e nossa bienal tem tido um caráter mais internacional. Isso é preciso ser revertido", disse o curador do evento veneziano.
A presença do curador italiano reflete ainda a presença significativa de brasileiros na mostra. Além de Rosângela Rennó e Beatriz Milhazes, que representam o país no evento, indicadas por Alfons Hug, há outros seis artistas convidados: Hélio Oiticica, Cildo Meireles, Fernanda Gomes, Marepe e Alexandre da Cunha, na mostra "A Estrutura da Sobrevivência", organizada por Basualdo, e Rivane Neuenschwander em "Atrasos e Revoluções", curada pelo próprio Bonami.


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