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Crítica/"Em Casa"
Saga resgata personagens desajustados
MARCELO PEN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em "Gilead", romance
ganhador do Prêmio
Pulitzer, Marilynne
Robinson dá voz ao reverendo
John Ames, que, sentindo a
aproximação da morte, escreve
uma longa carta em formato de
diário ao filho pequeno, que
não verá crescer.
Em meio a esse relato acompanhamos a chegada do afilhado Jack, espécie de filho pródigo de Robert Boughton, melhor
amigo de John.
Jack cometeu uma série de
pequenos delitos em Gilead, cidadezinha rural de Iowa, e engravidou uma moça, cujo bebê
posteriormente morre. Jack foge, só voltando a Gilead agora,
cerca de 20 anos depois.
John experimenta um ligeiro
ciúme da ligação que se estabelece entre sua jovem esposa e
Jack. E tem sérias dúvidas sobre o conforto que o afilhado
pode trazer a Robert.
Não traz nenhum conforto,
propriamente, e sim ansiedade,
insegurança, tensão, necessidade de enfrentar as próprias
limitações.
E esse choque é mais bem
acompanhado neste novo romance, "Em Casa", que apresenta mais ou menos os mesmos personagens, a mesma
época (meados dos anos 1950),
quase a mesma situação, mas
com uma perspectiva já agora
diferente.
Mudança de perspectiva
O ponto de vista principal
agora é o de Gloria Boughton,
filha caçula de Robert. Ela volta
para casa a fim de cuidar do pai,
que também está morrendo.
Se há um segredo envolvendo as andanças de seu irmão
nesses 20 anos, ela se sente
igualmente amargurada com os
próprios fracassos pessoais, sobretudo no setor afetivo.
O que há, assim, para apreciar neste romance, onde tudo
parece sabido (sobretudo por
quem leu "Gilead")? Embora a
trama se torne um pouco mais
movimentada a partir da metade do livro, o enredo em si não
introduz nada de muito novo.
Até mesmo o segredo de Jack é
tratado de forma mais explícita
na obra anterior. A resposta está na ideia de perspectiva.
Ainda que esse novo ângulo
de visão não forneça muitas novidades, ele sem dúvida ilumina outros aspectos dos personagens e amplia o efeito de deslumbramento e perplexidade
diante da existência, o qual vinha se desenhando desde "Gilead" (2004).
Ou seja, ao se debruçar sobre
os ombros de Gloria, Marilynne -grande estilista da prosa
americana atual- tem portanto a oportunidade de definir
melhor os traços de seus personagens.
E, se no livro anterior havia
as cores brilhantes de uma esperança agridoce, vemos agora
a concorrência de tons bem
mais sombrios, ligeiramente
inquietantes, impregnando esta fábula de admirável ressonância sobre um lar ("home")
que funciona em larga medida
como um exílio para seus personagens desajustados.
MARCELO PEN é professor de teoria literária da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
EM CASA
Autora: Marilynne Robinson
Tradução: Adriana Lisboa
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 39,90 (352 págs.)
Avaliação: bom
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