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Crítica/teatro/"H.a.m.l.e.t"
Alvim estreia reinvenção de Hamlet
"H.a.m.l.e.t" esmigalha trama original de Shakespeare e escancara a falência múltipla do humanismo em nossos tempos
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Por que encenar textos
clássicos? Para celebrá-los como o mármore intocável ou reinventá-los nas urgências do tempo presente?
A opção do dramaturgo Roberto Alvim diante do desafio
de traduzir "Hamlet" foi radical. Escreveu "H.a.m.l.e.t", uma
nova peça em que a trama original é esmigalhada, mas sobrevive o protagonista, agora um
doente terminal convivendo
com versões turvas e fragmentadas dos demais personagens.
O mérito da operação está na
potência poética que o adaptador alcançou com essa independência criativa frente à tragédia de Shakespeare, recontando-a com sua própria voz e a
reduzindo a um único ato.
O espetáculo é a leitura dessa
adaptação feita pela atriz Juliana Galdino, que também é mulher de Alvim. Ela estreia como
encenadora, apresentando a
primeira turma do curso de formação do Club Noir, o centro
de criação teatral que fundou
com Alvim há dois anos.
A direção de Galdino dialoga
com os espetáculos recentes da
companhia, imprimindo sobre
uma já característica cena em
penumbra alguns momentos
mais solares. Ainda assim, a
sintaxe é toda estruturada em
staccato, alternando as cenas
em que transcorre a ação com
algumas escuridões totais para
as transições.
Como ponto alto, há uma cenografia concentrada, sintetizando a ação dramática em um
espaço vazio e homogêneo, e
onde os únicos elementos figurativos são uma cama de hospital e alguns poucos acessórios.
É ali, estirado a maior parte do
tempo, que esse Hamlet moribundo irá travar um embate feroz com seus fantasmas e inimigos mortais.
Essa opção dos criadores, de
destacar o personagem delirando uma fábula convulsa, se
aproveita do mote central do
texto de Alvim, achado no original, que é a ideia de que "vivemos um sonho alheio" e somos
"prisioneiros de histórias que
não são nossas", assim enfatizando a própria condição ventríloqua de Shakespeare frente
a nós e à contemporaneidade.
O aspecto menos interessante da encenação, curiosamente,
é a direção dos atores. Atriz
marcada por um domínio excepcional da voz, Galdino impõe uma impostação e lentidão
nas interpretações de seu elenco que, muitas vezes, escondem
a vivacidade do texto e prejudicam sua compreensão.
Alguns atores conseguem escapar do exagero e se destacam
pela suavidade, como é o caso
de Bruno Ribeiro, que encarna
um Horácio com ares de Hamlet, mixando traços canônicos
deste personagem.
Uma iluminação primorosa
de Wagner Antônio, ocupando
os fundos da cena com variações de cores e de texturas, e alguns figurinos inspirados de
Danielle Cabral e da própria
Juliana Galdino, como os que
caracterizam a trupe aliada do
atormentado paciente, também valorizam o espetáculo.
Contudo, é mesmo nas falas
escondidas, de um lirismo seco
e cortante, que reside o seu
maior trunfo.
Se o príncipe da Dinamarca
criado no período elisabetano
evocava ares da Renascença e
das revoluções que ela anunciava, nessa versão contemporânea escancara a falência do humanismo e a estreiteza de horizontes do nosso tempo.
H.A.M.L.E.T
Quando: sex. e sáb. às 21h, dom. às
20h; até 23/5
Onde: Club Noir (r. Augusta, 331, tel.
0/xx/11/3255-8448)
Quanto: R$ 30
Classificação: 18 anos
Avaliação: bom
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