São Paulo, sexta, 8 de maio de 1998

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"Hilda Furacão" se revela puritana

da Reportagem Local

"Hilda Furacão", cumprindo temporada em São Paulo, tem tudo para ser um belo de um musical -como sempre se espera e nunca vem, no teatro brasileiro.
Tem, para começar, uma história envolvente e até algo "escandalosa", a de Hilda Furacão, uma "socialite" mineira tornada prostituta lendária nos "rebeldes" anos 60, e seu grande amor, um padre romântico, Malthus. É uma adaptação do romance do mineiro Roberto Drummond, de mesmo título (ed. Siciliano, 91).
Tem, outro fato raro, música original, composta por alguns nomes do que foi chamado Clube da Esquina, como Flávio Venturini, Murilo Antunes. Em geral, é aquilo de que mais se ressentem, no Brasil, os musicais.
Tem um cenário bonito e engenhoso -e grandioso, para os padrões nacionais. São armações metálicas que se compõem em quartos, escritórios, escadarias, movidas pelos próprios atores e bailarinos. (Lembram mais de um espetáculo do West End, o centro dos musicais de Londres.)
Tem também não pouca consciência da estrutura histórica dos musicais brasileiros, flagrante nos números "de cortina" feitos por uma dupla de "tias" fofoqueiras, de ótimo tempo cômico e que servem para manter a atenção do público e "comentar" a peça.
Com tudo isso, "Hilda Furacão" está longe de ser um grande espetáculo.
Em verdade, é questionável até que seja, propriamente, um musical. Não tem banda nem cantores. Os quadros musicais são de trilha gravada. Um único, pelo que se viu, é interpretado ao vivo -e ainda assim sem brilho.
Há um coro de bailarinos, mas também aí se esperava uma inventividade maior nos movimentos, em especial vindo de um ambiente de produção já estabelecida, respeitada, em dança.
Sobretudo, era de esperar maior qualidade na interpretação. As atuações, com exceções, são pálidas e contidas, o que conflita com um musical. Se os diálogos da adaptação já são fracos, os atores acentuam os defeitos.
Há um certo amadorismo, melhor dizendo, uma inexperiência, até uma timidez, que dificulta acompanhar "Hilda Furacão" com prazer.
Com problemas de ritmo, a peças tem grandes "barrigas", que atormentam.
Até Hilda, personagem com tantas chaves de interesse, vai se dissolvendo, apesar da beleza da atriz, Mariane Vicentini.
Anunciada como "a garota do maiô dourado" e "a rainha da zona boêmia", termina fazendo discursos políticos inoportunos, coisas como "eu sei como vive o povo", "amo os deserdados".
Revela-se uma puritana. Renega a prostituição como um momento seu de provação, em que precisou "sofrer muito" para encontrar o príncipe encantado.
Pior, muito pior, num instante de confidência ela "confessa": "Eu nunca conheci o prazer sexual".
É preciso sublinhar, de todo modo, a qualidade das duas atrizes que fazem as "tias", bem mineiras e católicas, mas nada politicamente corretas: Maria Helena Dias e Duse Naccarati.
(NS)


Peça: Hilda Furacão
Direção: Marcelo Andrade
Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h
Onde: teatro Procópio Ferreira (r. Augusta, 2.823, tel. 011/282-2409)
Quanto: R$ 25 (qui. e dom.) e R$ 30 (sex. e sáb.)
Patrocinadores: Coca-Cola, Ministério da Cultura



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