São Paulo, sexta, 8 de maio de 1998

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RECEITAS DO MELÃO
Maçã é a segunda experiência gustativa

HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha

O maestro repete o andante final e encara a orquestra com olhar feio. Pousa a batuta e, desanimado, declara: "Hora do recreio!". Desembrulha de um papel anil a simplória maçã. Enquanto a morde, ele pensa. E a orquestra, agora parada, pensa no que será que ele está pensando. Após esse ritual diário, declara: "Da capo (do começo), mais uma vez senhores. E melhor agora, por favor".
Esse maestro se chamava Eleazar de Carvalho, a pessoa que mais fez pela música inteligente neste país de idéias e lembranças tão curtas. Certa vez, imbuído de um misto de medo e admiração, indaguei: "Maestro, por que a maçã?". Ele me encarou com dois teatrais olhos rútilos e disse: "Jovem, a maçã acalma e faz pensar no que está errado. Ou por que você acha que ela caiu na cabeça de Newton? Tenho certeza que ele fez suas leis enquanto as comia".
Ao se exaurir, até a mais pródiga das tetas dá lugar às raspas de uma singela meia maçã. Ela é, portanto, a nossa segunda experiência gustativa, reforçando o atávico conhecimento que dá à essa fruta poderes medicinais.
Como sabe o vulgo, ela limpa os dentes e massageia as gengivas, é capaz de curar constipações severas e sua casca, usada em forma de chá, é um infalível calmante.
Na hora da compra, somos fatalmente atraídos pelo Belo -refletido nas formas e cores decorrentes de engenharia genética. Deus raramente consegue conciliar um invólucro atraente com um interior que não seja insípido. À exemplo da beleza humana, o nosso fruto original repete a fórmula.
Eu prefiro as pequenas maçãs nacionais da variedade Fuji, de intrigante paladar levemente acidulado, obrigatoriamente comidas com a casca, parte fundamental da composição do sabor final.
Massimo Ferrari (do restaurante homônimo) pode ser visto todo final de noite, pouco antes do restaurante fechar, comendo com sua mãe dona Maria douradas maçãs cozidas somente com água, um pouco de açúcar e aniz estrelado. Não discuto se a maçã afasta o médico da sua vida, como quer o ditado norte-americano. Mas sempre que vejo o sorriso e o vigor da longeva senhora Ferrari, sou obrigado a acreditar que os ditados são realmente universais.



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