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RECEITAS DO MELÃO
Maçã é a segunda experiência gustativa
HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha
O maestro repete o andante final
e encara a orquestra com olhar
feio. Pousa a batuta e, desanimado, declara: "Hora do recreio!".
Desembrulha de um papel anil a
simplória maçã. Enquanto a morde, ele pensa. E a orquestra, agora
parada, pensa no que será que ele
está pensando. Após esse ritual
diário, declara: "Da capo (do começo), mais uma vez senhores. E
melhor agora, por favor".
Esse maestro se chamava Eleazar
de Carvalho, a pessoa que mais fez
pela música inteligente neste país
de idéias e lembranças tão curtas.
Certa vez, imbuído de um misto
de medo e admiração, indaguei:
"Maestro, por que a maçã?". Ele
me encarou com dois teatrais
olhos rútilos e disse: "Jovem, a
maçã acalma e faz pensar no que
está errado. Ou por que você acha
que ela caiu na cabeça de Newton?
Tenho certeza que ele fez suas leis
enquanto as comia".
Ao se exaurir, até a mais pródiga
das tetas dá lugar às raspas de uma
singela meia maçã. Ela é, portanto,
a nossa segunda experiência gustativa, reforçando o atávico conhecimento que dá à essa fruta poderes medicinais.
Como sabe o vulgo, ela limpa os
dentes e massageia as gengivas, é
capaz de curar constipações severas e sua casca, usada em forma de
chá, é um infalível calmante.
Na hora da compra, somos fatalmente atraídos pelo Belo -refletido nas formas e cores decorrentes
de engenharia genética. Deus raramente consegue conciliar um invólucro atraente com um interior
que não seja insípido. À exemplo
da beleza humana, o nosso fruto
original repete a fórmula.
Eu prefiro as pequenas maçãs
nacionais da variedade Fuji, de intrigante paladar levemente acidulado, obrigatoriamente comidas
com a casca, parte fundamental da
composição do sabor final.
Massimo Ferrari (do restaurante
homônimo) pode ser visto todo final de noite, pouco antes do restaurante fechar, comendo com
sua mãe dona Maria douradas maçãs cozidas somente com água,
um pouco de açúcar e aniz estrelado. Não discuto se a maçã afasta o
médico da sua vida, como quer o
ditado norte-americano. Mas
sempre que vejo o sorriso e o vigor
da longeva senhora Ferrari, sou
obrigado a acreditar que os ditados são realmente universais.
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