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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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MÔNICA BERGAMO

Uma jornada prefeita

Marlene Begamo/Folha Imagem
Sem assumir, por enquanto, a candidatura à reeleição, Marta acelera as obras de CEUs como o de Pirituba


De terno preto de risca de giz, camisa branca, brincos de pérola, bolsa Longchamp e tênis Chanel, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, sobe no Águia, o helicóptero da Polícia Militar. São 7h10 da quinta-feira, 5, e ela embarca para uma visita a Pirituba, zona norte da cidade. Vai visitar obras, escolas, hospitais, e ouvir elogios, reclamações, pedidos de emprego e até recados para o filho Supla.
 
Em dias assim, a prefeita mal tem tempo de se arrumar -o penteado, naquela quinta, já durava dois dias. Não, a prefeita não vai ao salão todas as manhãs. Como tem cabelos secos, sua escova dura quatro dias. E ela descobriu um truque ótimo: coloca bóbis antes de caminhar na esteira, para o exercício não prejudicar o penteado. Mesmo sem tempo, desarrumada é que não sai de casa. Não mesmo. "Prefeita não pode parecer desleixada. Logo começam a dizer: tá vendo, tá deprimida!."
 
Marta não tem tempo a perder. Tem pela frente pouco menos de dois anos de mandato e uma mais do que provável campanha de reeleição. Quer inaugurar obras, recapear avenidas, acelerar programas sociais. No helicóptero, lê relatórios e espera um telefonema do ministro dos Transportes, Anderson Adauto. Ele vai liberar R$ 15 milhões para SP. Marta quer mais.
 
O Águia pousa em Pirituba. Marta embarca num Ômega blindado, seguido por seguranças -entre eles, a maratonista Risocleide Queiroz, 35, que já correu 42 km em Nova York. Ela protege a prefeita e anota o nome e as queixas de eleitores.
 
Marta folheia os jornais. Tem que ler tudo antes da "perguntaiada" dos repórteres que a seguem diariamente. "Gente, credo!", exclama ao ver foto de Hillary Clinton, que publicará em livro as "peripécias sexuais" de Bill Clinton. Marta vai comprar a obra na internet. Quer ler tudo no original, em inglês.
 
Lê notícias sobre a prefeitura: o Ministério Público ameaça processar vereadores que votarem pela anistia para corredores comerciais, como a Gabriel Monteiro da Silva. "Estão transformando isso num cavalo de batalha". Ela defende a anistia, prevendo que a futura lei de zoneamento autorizará os corredores.
 
Primeira parada, padaria City América. Um morador cobra: e a construção do viaduto do Jaraguá? O vendedor André Pereira elogia a limpeza no centro: "Tem até cheiro de desinfetante. A gente vê que é um trato bem feminino com a cidade."
 
De novo no Ômega, Marta volta aos jornais. "Isso é terrível para a gente", diz, sobre uma possível mudança na forma de cobrança do ICMS, hoje feita no local de fabricação dos produtos, o que beneficia SP. Bate os olhos nas críticas de José Alencar, vice de Lula, aos juros. "Acho que ele não está entendendo bem a função [de vice]. Se há risco, o Lula não deve ceder".
 
Uma de suas leituras diárias é a coluna de José Simão, da Folha, que só a chama de "Martaxa". "Eu não gosto muito, não. Mas dou risada...".
 
Marta adora ser prefeita, apesar da "tensão permanente". Continua achando que sofre preconceito por ser mulher. "Ah, isso tem mesmo." Pior: das próprias mulheres. "As pessoas têm prazer de falar mal de mim. Aí tem inveja, porque eu tenho um marido que é um gato, apaixonado, filhos ótimos e coragem de fazer tudo o que fiz".

A visita à escola é uma tranquilidade. As crianças vibram, berram "Supla, Supla". As professoras elogiam a merenda. Há computadores e até webcams. A visita à Unidade de Saúde Jardim Maggi é mais dura. Faltam remédios e médicos. Sobram queixas. Luciana Pereira, desempregada, reclama: "Preciso de dentista, oculista". "O dente "tá" doendo?", pergunta Marta, pedindo a assessores o endereço de atendimento odontológico 24 horas. "Eu precisaria de R$ 3 bilhões a mais no orçamento para fazer o necessário", diz.
 
O novo secretário de Finanças, Luís Afonso, 42, é "um avião", diz. O PT não queria liberá-lo de um cargo na Petros, fundo de pensão da Petrobras. "Mas cederam. Eles sabem que, para o partido, é importante que São Paulo dê certo."
 
Numa praça, uma mãe segura uma cartolina reclamando da falta de creches. Mocinhas gritam "Supla, Supla", e agitam cartazes: "Te amo sogrona". Leila de Oliveira, agente escolar, elogia: "Olha só que pele lisinha! Ela parece a Lady Di". Marta dá autógrafos, recolhe bilhetes, cartas. No carro, abre alguns: "Votei na senhora, agora estou decepcionada (...)o parque não tem luz", reclama Neide Evangelina. A prefeita ordena que os postes do tal parque sejam cortados, para que a iluminação melhore. Wagner Lasko, de 50 anos, formado em ciências contábeis, deixou um currículo. "Não costumo implorar. Mas as portas de emprego se fecharam". "É isso direto", diz Marta.
 
Cartas e currículos lotam a bolsa da prefeita. Na carteira, ela leva dinheiro, cartão de crédito, cheque, RG e os números de celulares de secretários e vereadores. As tradicionais fotos de filhos e netinhos não têm vez.
 
Última parada, antes do almoço: a obra do CEU (Centro Educacional Unificado), espaço que vai ter orquestra, teatros e piscinas. As crianças das redondezas querem nadar. Marta já avisa que, nada disso! As piscinas são para os idosos e os alunos do lugar. A prefeita quer transformar os CEUs -21 neste ano, 24 no próximo- em sua "marca". Cada um deles custará R$ 13 milhões. Ou mais. Marta vai instalar ar-condicionado nos teatros dos centros. "Não é só porque é para pessoas simples que tem de ser mal feito."
 
Às 15h, ela volta ao gabinete. O marido, Luis Favre, telefona com notícias sobre a Internacional Socialista. Marta embarca num helicóptero com o apresentador José Luís Datena. Vai mostrar suas obras. O tempo é curto. Ela ainda vai a uma cerimônia e a dois aniversários -um deles, do jogador Cafu.
@ - bergamo@folhasp.com.br
COM CLEO GUIMARÃES E ALVARO LEME


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