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Irã recusa dez vezes roteiros de diretor dissidente
Depois de optar por trabalhar em uma indústria têxtil, Bahman Farmanara agora pode filmar na Alemanha
Projeto de 11º filme foi aprovado, mas cineasta precisa ter autorização
de outro ministério para importar negativos
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A LAVASAN (IRÃ)
É tão difícil fazer cinema no
Irã hoje em dia que um dos
principais cineastas do país,
Bahman Farmanara, preferiu
ser CEO de uma indústria têxtil. Ele tomou a decisão depois
de ver seu décimo script recusado pelo Ministério de Cultura e Guia Islâmica, que deve
pré-aprovar todos os roteiros
antes de eles começarem a ser
filmados. "É um pesadelo kafkaniano", disse ele à Folha.
O cineasta de 64 anos -que
morou no Canadá logo após a
Revolução Islâmica (1979), é
autor de filmes importantes
como "Cheiro de Cânfora, Fragrância de Jasmim" (2000),
exibido no Festival de Nova
York, e foi produtor do primeiro filme de ficção de seu amigo
Abbas Kiarostami, "O Relato"
(1977)-, recebeu a reportagem
em sua casa em Lavasan, a 40
minutos de Teerã, no vale de
Gardaneh Ghochak.
Ali, para onde se mudou por
recomendações médicas, para
fugir da poluição de Teerã desde que sua mulher teve um infarto, Farmanara tem uma vista paradisíaca de um jardim
que termina nas encostas das
montanhas. "Você sabe qual é a
palavra antiga em farsi para
jardim?", pergunta. "Paraíso."
A sorte de Farmanara parece
estar mudando. Como última
cartada em sua carreira cinematográfica, ele mandou para
aprovação seu 11º script. Foi
aprovado.
Leia trechos da entrevista.
FOLHA - Quão difícil é ser cineasta
no Irã de hoje?
BAHMAN FARMANARA - Depois da
revolução, o governo tenta controlar todos os aspectos de filmagem. Havia censura antes.
Você não podia criticar quatro
assuntos: a família real, o islamismo, o Exército e a Constituição. Agora, porém, há um código do que você deve filmar.
Vou lhe dar um exemplo. Desde
que eu voltei ao país, apresentei
dez roteiros para o Ministério
da Cultura e Guia Islâmica, para ser aprovados, como manda
a lei. Os dez foram recusados.
FOLHA - Qual o motivo?
FARMANARA - Eles não têm de
se justificar. Algumas vezes, porém, eu insistia em saber o motivo. As respostas eram as mais
disparatadas. Num deles, disseram que o roteiro foi aprovado
pelo ministro, mas os funcionários do ministério fizeram um
abaixo-assinado para que ele
fosse recusado, o que me provocou risos. Outro ainda foi recusado porque "não venderia
ingressos"... Mas finalmente
eles aprovaram o 11º.
FOLHA - E quando estréia?
FARMANARA - Calma, as coisas
não são tão fáceis assim. Agora,
eu preciso conseguir a aprovação de outro ministério, para
importar os negativos. Esse ministério também aprovará o roteiro ou não. Depois, eu preciso
contratar os atores, que só trabalham se eu tiver a permissão
dos dois ministérios. Os laboratórios só podem revelar os filmes se forem autorizados pelo
governo. Você tem de alugar o
equipamento de uma estatal.
Por fim, eu preciso mostrar a
obra pronta de novo para o ministério, que sugerirá cortes.
Então, eu tenho de entrar na
fila da exibição. É aí que eu brigo com Hollywood, de uma maneira perversa. Como o Irã não
paga direitos autorais para produtos ocidentais, mas tem de
pagar para os iranianos, é muito mais negócio para o exibidor
ter uma fita pirata do novo sucesso norte-americano do que
um filme meu. Ou seja, mesmo
onde os EUA não têm influência, Hollywood ganha...
FOLHA - Essa via-crúcis é comum
ou o sr. tem um tratamento, digamos, especial?
FARMANARA - Por esse processo
todos têm de passar, mas os dez
scripts recusados sistematicamente são para poucos. No
meu caso, é porque eu me mudei do país nos dois primeiros
anos após a revolução. No Irã
atual, isso fica marcado em seu
"currículo" para sempre. E
também porque eu me oponho
a esse governo abertamente.
Acho que religião deve ser parte privada de nossas vidas, não
acho que deva governar um
país também. Guie um povo como Gandhi fez, espiritualmente e moralmente, porque isso é
religião. Mas não é preciso
mandar.
FOLHA - O sr. recebeu um convite
para filmar na Alemanha.
FARMANARA - Sim. O filme tem
fundos do governo alemão. Depois da eleição da primeira-ministra Angela Merkel, me chamaram discretamente e pediram que eu mudasse o enredo.
Em vez de um jovem iraniano
que se envolve com neonazistas, querem que eu mude para
um jovem terrorista que se envolve com alemães. Veja como
a censura não é monopólio de
nenhum país...
FOLHA - Logo ao voltar ao Irã, o sr.
filmou "Cheiro de Cânfora, Fragrância de Jasmim" (2000), em que narra
sua própria morte. Agora que ele já
existe em celulóide, como o sr. imagina que será o evento verdadeiro?
FARMANARA - Há diversas maneiras de "morrer" num país
como o Irã. A que eu narro no
filme é uma metáfora de... Bem,
você entende. Nem tudo pode
ser dito. Minha morte no filme
era uma maneira de mostrar
esse sentimento, que acabou
por quase me levar à morte como cineasta.
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