São Paulo, segunda, 8 de junho de 1998

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Gravuras e ilustrações são os destaques

especial para a Folha

Robert Descharnes, curador da atual mostra do Masp, gosta de lembrar um bordão inventado por Dalí sobre si mesmo: o que se conhece em geral do artista representaria apenas "a ponta do iceberg de uma enorme criatividade submersa".
E a exposição imaginada pelo francês para o Brasil, dividida em 14 módulos que incluem registros fotográficos do cotidiano do artista feitos por ele, contribuiria, em hipótese, para revelar Dalí por inteiro.
Assim, além de "vender" o mito do "artista excêntrico" que costuma fascinar o público jovem ("todo artista é um pouco louco"), a mostra revela outra coisa: a metáfora do "iceberg" não passou de blefe desesperado ou golpe publicitário.
Nunca se conhecerá a "verdadeira criatividade" do artista, a menos que lhe seja dado um dia reencarnar.
No entanto, se o espectador da mostra dispensar o "pacote" que apresenta o artista como gênio incomparável da raça, pode garimpar na mostra atual dezenas de imagens instigantes.
As poucas telas do auge da fase surrealista (anos 30), bastante cuidadas na feitura, conservam frescor e impacto original. Em especial os óleos "Espectro de Vermeer Utilizado Como Mesa" (1934), "Eu Aos Dez Anos (...) Criança Gafanhoto" (33), o grafite "O Arco Histórico" (37), e algumas outras obras provenientes do Museu Dalí de São Petersburgo, Flórida.
Três ou quatro óleos dos anos 20 são impressionantemente cuidados nos detalhes e cores, bem como o famoso retrato de Gala de costas (45).
Porém, o aspecto melhor contemplado é o do Dalí ilustrador e gravador. As 42 gravuras feitas em 1934 para o livro "Os Cantos de Maldoror" merecem atenção, porém é sofrível a qualidade de impressão da série trazida.
Passa-se a um nanquim preciso nas admiráveis soluções criadas para ilustrar livros de Maurice Sandoz, na década de 50 (módulo "Os Príncipes do Mistério").
Utilizando procedimento de apropriação típico do Dada e do Surrealismo, o artista interveio em cor e forma sobre 50 gravuras da notável série medieval "Os Sonhos Engraçosos de Pantagruel", de um erotismo bufo. Os trabalhos mostrados são originais.
Há, ainda, dezenas de objetos mais que curiosos, como a ourivesaria em ouro, as esculturas-ânus, os livros-múltiplos.
Esculturas
Quanto ao que costuma atrair a maior atenção, as esculturas, é preciso lembrar que trata-se, na verdade, de "ready mades" (de séries de doze) mandados executar pelo artista segundo desenhos e instruções. Não têm alma.
O pesado "Rinoceronte Rendado", por exemplo, estaria melhor em qualquer parque de brinquedos, caso suas arestas não ferissem os pequenos. (AM)



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