São Paulo, terça, 8 de julho de 1997.



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Biografia lançada nos EUA desvenda o enigmático diretor de '2001' e 'O Iluminado'
Kubrick

Reprodução
O cineasta Stanley Kubrick (no chão) filma cena de 'Laranja Mecânica' (71), um dos filmes que o consagrou


AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas

Ainda pode haver quem discuta se Stanley Kubrick ("2001") é o maior cineasta em atividade.
Há consenso quanto ao fato de girar em torno dele uma aura mítica que, neste século do cinema, encontra paralelos na atriz Greta Garbo, no milionário Howard Hugues e no escritor J. D. Salinger.
Vincent LoBrutto reitera a comparação logo na abertura de seu recém-lançado "Stanley Kubrick - A Biography", como que frisando o caráter hercúleo da tarefa a que se propôs: escrever o primeiro volume biográfico sobre um dos artistas mais reservados que já se dedicou à arte do filme.
Professor da School of Visual Arts de Nova York e especialista em história oral do cinema, LoBrutto não se deixa impressionar pelo mistério em torno de seu personagem. Ao meticulosamente recompor a trajetória do homem por trás do cineasta, nada menos que decifra o enigma Kubrick.
Não poucos mitos caem por terra graças ao livro. O principal é aquele que pinta Kubrick como um ogro misantropo, cheio de esquisitices, incapaz de qualquer convívio social e despótico com todos que o cercam.
É um outro Kubrick que emerge das páginas de LoBrutto. Como cineasta, é mesmo um obcecado pela perfeição e pelo lado sombrio da alma humana, mas trata com rara cordialidade atores e técnicos e valoriza sobremaneira as contribuições individuais para o filme em desenvolvimento.
Fora dos sets, Kubrick é um atencioso pai de três filhas (uma delas, Vivian, colaboradora constante), estável no terceiro casamento. Pouco liga para roupas e fuma o tempo todo. Notívago e hiperativo, trocou os EUA pela Inglaterra e passou a evitar as viagens de avião por razões bem palpáveis -custos de produção mais baixos e maior conforto familiar.
Mesmo a preocupação quase paranóica com o sigilo dos projetos pode lá ser algo exagerada, mas está longe de inexplicável no faroeste do mercado cinematográfico.
O biógrafo não contou com nenhuma ajuda do biografado, que ainda assim ganha agradecimento final simplesmente por não ter atrapalhado. Uma legítima vocação detetivesca é revelada por LoBrutto, sobretudo nas cem primeiras páginas, dedicadas à infância e juventude de Stanley Kubrick, o primogênito do casal judeu nova-iorquino, Jacques (médico) e Gertrude (dona de casa), nascido em 26 de julho de 1928.
Stanley surge como um aluno ausente, de regular a fraco, sempre de difícil sociabilidade mas de inequívoco talento artístico.
O proverbial interesse pelo cinema é precoce. O amor pela fotografia foi herdado do pai. A paixão pela música, demonstrada pela revolução que operou nas trilhas para cinema, desenvolveu-se com uma pouquíssimo conhecida passagem pela Taft Swing Band, a banda de jazz de sua escola.
Desde cedo a fornida biblioteca familiar alimentou a insaciável curiosidade de Kubrick. Também data de jovem a fixação pelo jogo de xadrez, que acabou por se tornar o mais corrente símbolo da hiper-racionalidade do cineasta.
Esse ultracerebralismo ganha novos matizes pela revelação de seu forte e duradouro interesse beisebol e futebol americano.
A decisiva experiência de Kubrick entre 17 e 21 anos como fotógrafo da "Look" merece detalhada reconstituição. O talento narrativo das fotos em série confirmava o cineasta em botão.
A partir do momento em que registra que uma das séries, dedicada ao pugilista Walter Cartier, inspirou o documentário curto de estréia ("Day of Fight", 1951), a biografia assume a tradicional estrutura cronológica de dedicar um capítulo a cada projeto kubrickiano. A exaustiva pesquisa de LoBrutto sobrepõe-se então às entrevistas, ainda que ele sempre encontre algum colaborador, mesmo secundário, para dar seu testemunho.
O resultado é um compêndio de tudo que você queria saber o processo de realização de cada filme do cineasta. São, por exemplo, 55 páginas para "2001", 46 para "O Iluminado", 43 para "Laranja Mecânica". A análise técnica supera a estética, embora LoBrutto mostre como em Kubrick as duas esferas são inextricáveis.
O livro tem jóias a nos oferecer. Um tipo especial de lentes desenvolvido pela NASA foi adaptado para as filmagens à luz de velas de "Barry Lindon". Um didático prólogo com especialistas quase abriu "2001". "Nascido para Matar" foi rodado com três e não duas partes. Os exteriores futuristas de "Laranja Mecânica" foram rodados em locações reais na Inglaterra. Os exemplos encheriam esta página. O culto a Kubrick já tem sua nova Bíblia.

Livro: Stanley Kubrick - A Biography
Autor: Vincent LoBrutto
Lançamento: Donald I. Fine Books (580 págs.)
Quanto: US$ 29.95
Onde encomendar: Amazon Books (www.amazon.com) ou Livraria Cultura (Av. Paulista, 2.073, tel. 011/285-4033).




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