São Paulo, segunda-feira, 08 de julho de 2002

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MEMÓRIA

Personalidades como Antonio Candido e Chico Buarque lembraram múltiplas facetas do intelectual

Leveza marca homenagem a Sérgio Buarque

Márcio Fernandes/Folha Imagem
Chico Buarque e Antonio Candido no evento em homenagem a Sérgio Buarque, no Teatro da USP


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Rapidez, leveza, multiplicidade, exatidão, visibilidade e consistência. Todos os temas elencados pelo escritor Italo Calvino para seu "Seis Propostas para o Próximo Milênio" marcaram a homenagem a Sérgio Buarque de Holanda realizada no sábado, no Teatro da Universidade de São Paulo.
Em evento curto, de rápidos 80 minutos, o crítico literário Antonio Candido, o historiador Fernando Novais, a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz e, surpresa, o músico Chico Buarque de Holanda, desenharam um bonito retrato do intelectual, que faria cem anos na próxima quinta-feira.
Historiador, crítico literário e sociólogo, Buarque foi lembrado em cada uma das múltiplas facetas. Primeiro, o historiador.
Professor de história das civilizações na USP, cadeira que conquistou em 1958 em concurso no mesmo auditório em que ocorreu a homenagem, o autor de "Visões do Paraíso" ganhou perfil de seu aluno Fernando Novais.
"Há duas maneiras de entendê-lo", disse o historiador, "na diversidade e na unidade". A primeira é pela variedade de suas influências intelectuais. Erudito, bebeu em fontes distintas como a sociologia alemã e a norte-americana.
Também se pode tentar compreendê-lo pela unidade. "Ele sempre buscou um só tema, o enigma Brasil. Era um crítico da cultura, mas sempre voltado para o brasileiro", disse Novais, que trabalha atualmente em um volume de textos inéditos historiográficos de Buarque, a sair pela Companhia das Letras -organizadora, com o Centro Universitário Maria Antônia, do evento.
Antonio Candido também partiu de uma dualidade em sua fala: um depoimento impessoal, como crítico, e outro pessoal, como amigo que foi do homenageado.
O autor de "Formação da Literatura Brasileira" começou lembrando a atividade de Buarque de Holanda, desde muito jovem, como crítico literário em jornais.
Candido, que assim como o objeto de sua fala assinou por muitos anos os então chamados "rodapés literários", colunas semanais de crítica em jornais, salientou a dificuldade da tarefa.
"Ele é como o aquarelista. Nas aquarelas, como nas críticas de jornais, não há possibilidade de retoques", comentou, sobre o tempo escasso com que trabalham os resenhistas.
"Afere-se o crítico dos jornais pelos seus erros e acertos. Sérgio tinha uma percepção muito aguda. Praticamente não errava."
O professor emérito da USP disse que a qualidade crítica de Buarque não era visivel só nos textos feitos à base do "ou vai ou racha".
Lembrou que o intelectual também se empenhou em estudos literários de fôlego, como no projeto de escrever um extenso trabalho sobre a literatura colonial brasileira. "Pelos fragmentos que deixou é possível crer que seria da altura de suas maiores obras."
Sérgio Buarque, rabiscou com graça Candido, era "excelente tanto na aquarela quanto na pintura de grandes painéis".
Tido como o grande crítico literário em atividade no país, e diante de outros grandes nomes do gênero, como Davi Arrigucci e Roberto Schwarz, que estavam entre os 150 espectadores do evento, Candido não teve receio em cravar: "Ele foi o maior crítico brasileiro do século 20".
Caiu assim o pano da parte "impessoal" da fala do professor para começar o depoimento do amigo.
Aos 83 anos e com memória invejável, Candido começou lembrando seus primeiros encontros com o homenageado. "Foi em 1943, em um almoço com o grande editor Martins em um restaurante chamado Caverna Santo Antônio", lembrou.
Recordou ainda, com fartura saborosa de detalhes e exatidão, que sem terem se conhecido, ambos tinham vivido um a cem metros do outro em Berlim, no segundo semestre de 1929.
E fluiram soltas outras memórias, de como eles sempre tiveram posições políticas muito semelhantes, por exemplo.
Os dois militaram no Partido Socialista Brasileiro nos anos 40 ("concorremos a deputado estadual em 1950; tivemos muito poucos votos"), lutaram contra o Estado Novo como membros da Associação Brasileira de Escritores, se filiaram ao Partido dos Trabalhadores no mesmo dia.
Candido terminou lembrando o lado brincalhão de Buarque, "para dar idéia da atmosfera de irreverência que havia entre nós, herança da alegria dos modernistas". Acompanhado dos risos da platéia, se lembrou das cartas que trocavam. Um escrevia fazendo paródia ao português do século 17. O outro respondia no inglês usado no mesmo século.
"Eis o homem", disse Candido ao encerrar sua fala, seguida de aplausos veementes.
O evento ainda não havia terminado. Dada visibilidade ao historiador e ao crítico literário, faltava o grande sociólogo.
Para tanto, Lilia Schwarcz, moderadora do evento, chamou Chico Buarque. Filho do intelectual, o compositor encerrou a sessão com leitura melodiosa de um texto de "Raízes do Brasil", no qual Sérgio Buarque caracteriza o brasileiro como "homem cordial".



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