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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
O macarrônico com servecha
Quem prova dos dialetos satíricos que parodiam e carregam identidades sociais fica com gosto de quero mais
DOS RECENTES fãs dos Cassetas e seu "Planeta Diário" aos
órfãos de Juó Bananére
(pseudônimo do engenheiro e escritor Alexandre Marcondes Machado,
1892-1933) e sua impagável "Divina
Increnca", quem prova dos macarrônicos dialetos satíricos que parodiam e carregam gestos e identidades sociais, traduzidos em hábitos
lingüísticos grafados numa "maniera de scrivê, chi a gentil scrive uguali
come dice", fica sempre com gosto
de quero mais. Por trás do prazer intelectual do reconhecimento suscitado pelos essenciais jogos de linguagem, sob o manto do escracho e
da galhofa, um riso feroz faz seu trabalho político, necessário e subversivo, desestabilizando certezas e
plantando pulgas atrás de orelhas.
Apesar de também ter ensaiado
combinações do alemão com o português, Bananére ficou indissoluvelmente ligado ao ítalo-paulistano,
criado e sustentado por ele nas contribuições ao periódico "O Pirralho"
(1911-1917), onde apareciam ao lado
das imagens congeniais de Voltolino, nas suas "Cartas d'Abaxo o Piques". Quanto às experiências com o
teuto-brasileiro, não há exagero em
reconhecer em Aparício Torelly
(1895-1977) seu herdeiro legítimo.
Jornalista e militante comunista,
autodignificado, em tempos republicanos, como o Barão de Itararé,
tinha em "A Manha" (1926-52), um
semanário igualmente concebido e
alimentado por iniciativa solitária, a
contrapartida carioca do "Pirralho".
Nele, manteve com regularidade
um "Zubblemend to Alle... Manha",
em que os lugares-comuns da malemolência local e da eficiência disciplinada germânica eram devidamente relativizados no choque sistemático entre as línguas e as imagens. A paródia do poema romântico fadado à paródia presta-se a tira-gosto: "O meu dera deng serfecha/
Gue a chende pébe à fondade!/ O
serfecha ta Pracil/ Nong está to mesmo gwalidade./ Eu béde bra a zenhor Hitler/ Te nong techá eu morê/ Andes que eu fólda bra lá;/ Andes
que eu bode pebê/ servechá indé
arependá! Ou endra numa donnel/ e
pebê indé me afoká!".
Editada e apresentada por Carlos
Eduardo Capela e Ana Carina Engeroff, a antologia recém-lançada pela
Editora da UFPR (Universidade Federal do Paraná) resgata dos arquivos extenso material disperso, organizando-o em três períodos: de 1926
à Revolução de 30; de 1930 a 1937,
coincidente com a escalada belicosa
nazista, lida em chave brasileira; e de
1945 a 1947, com as respostas brasileiras às novidades do pós-guerra.
Nem é preciso dizer que a sombra
funesta dos "rapais ta Bikotinhe"
atravessa estes textos, bem como a
crítica ao mito da eficiência atribuída aos oligarcas brasileiros de origem alemã. Vale a visita às barbas
brancas do Barão, expoente de um
jornalismo humorístico cuja história esquecida, aliás, outro volume
recente, o ótimo "Preso por Trocadilho: A Imprensa de Narrativa Irreverente Paulistana 1900-1911" (São
Paulo, Alameda Editorial), de Paula
Ester Janovitch, ajuda a recontar.
ZUBBLEMEND TO ALLE...
MANHA
Autor: Barão de Itararé
Editora: Ed. da UFPR
Quanto R$ 30 (230 págs.)
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