São Paulo, sábado, 08 de julho de 2006

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

O macarrônico com servecha

Quem prova dos dialetos satíricos que parodiam e carregam identidades sociais fica com gosto de quero mais

DOS RECENTES fãs dos Cassetas e seu "Planeta Diário" aos órfãos de Juó Bananére (pseudônimo do engenheiro e escritor Alexandre Marcondes Machado, 1892-1933) e sua impagável "Divina Increnca", quem prova dos macarrônicos dialetos satíricos que parodiam e carregam gestos e identidades sociais, traduzidos em hábitos lingüísticos grafados numa "maniera de scrivê, chi a gentil scrive uguali come dice", fica sempre com gosto de quero mais. Por trás do prazer intelectual do reconhecimento suscitado pelos essenciais jogos de linguagem, sob o manto do escracho e da galhofa, um riso feroz faz seu trabalho político, necessário e subversivo, desestabilizando certezas e plantando pulgas atrás de orelhas.
Apesar de também ter ensaiado combinações do alemão com o português, Bananére ficou indissoluvelmente ligado ao ítalo-paulistano, criado e sustentado por ele nas contribuições ao periódico "O Pirralho" (1911-1917), onde apareciam ao lado das imagens congeniais de Voltolino, nas suas "Cartas d'Abaxo o Piques". Quanto às experiências com o teuto-brasileiro, não há exagero em reconhecer em Aparício Torelly (1895-1977) seu herdeiro legítimo. Jornalista e militante comunista, autodignificado, em tempos republicanos, como o Barão de Itararé, tinha em "A Manha" (1926-52), um semanário igualmente concebido e alimentado por iniciativa solitária, a contrapartida carioca do "Pirralho".
Nele, manteve com regularidade um "Zubblemend to Alle... Manha", em que os lugares-comuns da malemolência local e da eficiência disciplinada germânica eram devidamente relativizados no choque sistemático entre as línguas e as imagens. A paródia do poema romântico fadado à paródia presta-se a tira-gosto: "O meu dera deng serfecha/ Gue a chende pébe à fondade!/ O serfecha ta Pracil/ Nong está to mesmo gwalidade./ Eu béde bra a zenhor Hitler/ Te nong techá eu morê/ Andes que eu fólda bra lá;/ Andes que eu bode pebê/ servechá indé arependá! Ou endra numa donnel/ e pebê indé me afoká!".
Editada e apresentada por Carlos Eduardo Capela e Ana Carina Engeroff, a antologia recém-lançada pela Editora da UFPR (Universidade Federal do Paraná) resgata dos arquivos extenso material disperso, organizando-o em três períodos: de 1926 à Revolução de 30; de 1930 a 1937, coincidente com a escalada belicosa nazista, lida em chave brasileira; e de 1945 a 1947, com as respostas brasileiras às novidades do pós-guerra. Nem é preciso dizer que a sombra funesta dos "rapais ta Bikotinhe" atravessa estes textos, bem como a crítica ao mito da eficiência atribuída aos oligarcas brasileiros de origem alemã. Vale a visita às barbas brancas do Barão, expoente de um jornalismo humorístico cuja história esquecida, aliás, outro volume recente, o ótimo "Preso por Trocadilho: A Imprensa de Narrativa Irreverente Paulistana 1900-1911" (São Paulo, Alameda Editorial), de Paula Ester Janovitch, ajuda a recontar.

ZUBBLEMEND TO ALLE...
MANHA

    
Autor: Barão de Itararé
Editora: Ed. da UFPR
Quanto R$ 30 (230 págs.)


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