São Paulo, Quinta-feira, 08 de Julho de 1999
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TELEVISÃO
ACM seduz na TV Cultura

GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha

O senador baiano Antônio Carlos Magalhães, indiferente à milenar superstição aziaga em torno do número 13, resolveu finalmente comparecer -depois de 13 anos de obstinada recusa- ao programa "Roda Viva" da TV Cultura de São Paulo, sendo sabatinado por notáveis jornalistas que o entrevistaram em outras ocasiões, de modo que o climatério verbal era-lhe familiar e manjado.
Nada de novo ou inusitado nessa longa entrevista que transcorreu monótona e tranquila, com perguntas e respostas quase agendadas de antemão, não obstante algumas farpas cordiais trocadas com o simpático videomaker Roberto D'Ávila, que o interpelou de "truculento".
Ao que o político do PFL, qualificando-o de "meigo", retrucou: "Truculento é o Brizola!".
Aí o jornalista, vestido com um excêntrico paletó à tropicália, sorriu e não demonstrou nenhuma convicção ideológica trabalhista, apenas insinuou de leve a existência da problemática separação entre a esfera da política e do jornalismo.

Relação complicada
Para mim, que até então jamais havia assistido ao sultão baiano na tela da TV, impressionou-me o gesto folgado de jogar pastas e dossiês "verdes" ao chão, lendo-os como quem sente inegável dificuldade em pronunciar as palavras, tal qual só acontece com a dicção semi-ágrafa.
Nessa relação complicada do oral com o escrito, acudiu-me a idéia de que o grande adversário de ACM na política é a letra, porquanto à oligarquia do Nordeste sempre faltou um projeto de alfabetização.
A gestuália abusada do califa do PFL, durante a leitura das pastas e dossiês, sugeriu-me a imagem de um droup-out do sistema escolar. Na verdade o que o comove é menos a educação do que a comunicação.
O espírito da entrevista na TV Cultura refletiu o desejo do "coronel de resultado" em seduzir o PSDB e São Paulo: acarajé neles!
Às tantas o ACM social-democrata parecia um niubolchevik de gauche, teatralmente a favor do pleno emprego e da reforma agrária.
Nessa performance, supostamente progressista, o imperativo de encantar o Sudeste significa cebrapizar-se, assim como FHC tivera de cair de boca na buchada de bode do PFL.
O que é que o ACM tem?
O desafio em atucanar-se como homem fino e educado no Sudeste é acompanhado pela propaganda turística da Bahia como o simulacro paradisíaco do Plano Real, sendo ele entusiasta da regionalidade, mas avesso à noçãode colonialismo, portanto conivente em relação ao déficit crescente de soberania nacional, como se a Bahia fosse uma Angola independente do resto do Brasil.
Em ACM, tal qual o romancista Jorge Amado, a ideologia da baianidade funciona como um exercício cultural perverso: é o corpo exotique da região sem nação.
A sua aposta fordista, respaldada pela pecúnia do BNDES, indispondo-se com Minas Gerais e Rio Grande do Sul, ensaia uma espécie de replay cepalino de Jotaká na Bahia: a façanha automobilística do 50 anos anos em 5.
Com isso, a ponta de lança do candidato do PFL à Presidência da República, o mumbo-jumbo do Anfavea, dependerá da vontade política do capital alienígena.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (Ed. Espaço e Tempo), entre outros.


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