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MÚSICA
Novo CD sofreu embargo por exigência de exclusividade de faixa para Ivete Sangalo, depois revogada
Elza volta maltratada pela indústria
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
O processo de marginalização a
que as gravadoras brasileiras submetem até os artistas mais experientes avança. Elza Soares, sambista militante na MPB desde
1960, está de volta, em disco independente autoproduzido. E enfrenta desavenças com a indústria
que resiste em absorvê-la.
Em 9 de junho, 5.000 cópias já
prensadas de "Elza ao Vivo - Carioca da Gema" foram embargadas porque uma música, "Sá Marina", de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, sucesso do repertório
de Wilson Simonal, seria relançada, com contrato de exclusividade, pela cantora baiana Ivete Sangalo, ex-Banda Eva.
A Folha procurou Sangalo e sua
equipe por cinco dias úteis consecutivos, em busca de algum posicionamento sobre o caso, sem nenhuma resposta. Anteontem,
quase um mês após o início do
episódio, Universal e Ivete voltaram atrás em comunicado oficial:
"Em respeito à artista Elza Soares, a Universal Music e a cantora
Ivete Sangalo decidiram abrir
mão da exclusividade concedida
pela editora Warner Chappell para que "Sá Marina" seja mantida
no álbum de Elza Soares, a fim de
evitar maiores danos à artista".
"Demoraram 40 dias para proibir e agora mais um mês para reconsiderar, por quê?", reagiu o
empresário de Elza, Edson Gomes. "Agora tenho 5.000 cópias
com a música e outras 2.000 sem,
o que eu faço? Isso foi só por pressão da imprensa. Vou lançar sem
a música, isso é palhaçada."
"Agora não quero mais. Não
preciso disso", já afirmara Elza,
antes da revogação da proibição.
Folha - O que você pensa sobre o episódio com "Sá Marina"?
Elza Soares - Isso me prejudicou muito. Tivemos que parar
com tudo. Foi uma porrada na
boca do estômago. Eu quis prestar uma homenagem ao Wilson
Simonal, que foi o criador da pilantragem com Carlos Imperial.
Ninguém mais canta, ninguém
mais fala da pilantragem, que era
um som maravilhoso. Preparamos o CD, eu pedi permissão ao
compositor de "Sá Marina", Antônio Adolfo, ele disse que tudo
bem. Quando estamos com tudo
preparado, meu empresário recebe o fax da Warner Chappell proibindo a música. Pô, eu, com tantos anos de carreira, já batalhei
por esse país todo... O fax dizia
que a música era exclusividade da
Ivete Sangalo. Não vem com essa
história, o ritmo dela não é esse, a
música que canta não é essa.
Folha - Você falou com ela?
Elza - Não quero. Não é por aí. A
minha estrada, minha gente, todo
mundo sabe. Não vou ficar brigando com uma colega por causa
de uma música. Não prejudico a
vida ninguém, assim como não
quero ser prejudicada por ninguém. Investi meu próprio dinheiro, sozinha, e parou tudo.
Não tenho nenhuma multinacional atrás de Elza Soares.
Folha - A Universal lançou um
disco seu há dois anos. O que
aconteceu?
Elza - Nada. Não trabalharam, o
CD ficou naquilo. A gravadora tinha proposta de dois trabalhos. O
primeiro CD foi lindo, mas ficou
nisso. Foi um pecado. Mas não
posso parar, meu amor. Preciso
viver, preciso cantar, preciso da
minha arte. Vivo disso. Como é
que vou ficar parada aqui, chupando o dedo, com tudo que
Deus me deu, sendo "filha" do
Louis Armstrong, substituindo
Ella Fitzgerald, abrindo show para Sarah Vaughan e Sammy Davis
Jr.? Pô, com licença. Não deram
nenhuma desculpa, não fizeram
nada. Rescindiram o contrato.
Não estou falando que nasci na
contramão, mulher, negra e pobre? Eu vivo na contramão, meu
irmão. Sou brasileira.
Folha - Antes, você ficou quase dez anos sem gravar. Agora
então a estratégia é outra?
Elza - Se não tem tu, vai tu mesmo. A gente vai, faz, vende nos
shows, distribui, tá? Não vai faltar
CD mesmo.
Folha - Como você selecionou
repertório?
Elza -Fui buscando o que eu
cantava nos shows, como a homenagem ao Adoniran Barbosa, a
coisa do final com o hino, essa minha música de abertura, que é
uma louvação à lata. Já nasci coroada e não sabia.
Folha - Essa música expõe certa rivalidade sua com Marlene,
que gravou "Lata d'Água", não?
Elza - Ela nunca carregou lata
d'água. Eu subi morro com lata,
comia na lata, meu telhado era de
lata, tomava banho com lata, servia de penico e de copo. Muita
gente tem vergonha. Eu, muito
pelo contrário, me sinto muito
honrada de ter tido uma lata para
comer, a lata de goiabada que
meu pai amassava e fazia de prato. É essa lata, não é a coisa da música. Não sei se dá para comparar
meu trabalho com o da Marlene.
Folha - Por que a homenagem
a Wilson Simonal?
Elza - Simonal, na minha opinião, foi o homem que mais balançou este país. Ele era um homem tesudo, cara. A voz dele, o
jeito, a maneira de interpretar, o
suingue, é difícil encontrar igual.
Jorge Ben é pai disso também.
Folha - Como você vê a questão política que envolve a história do Simonal?
Elza - Numa época de hoje, se
não houver um mundo de perdão, aonde é que nós vamos? Não
vi, não sei, como posso julgar alguém? Quem sou eu, que vivo na
contramão eternamente, para julgar? Falo do grande momento
musical, da grande figura que ele
foi. Frequentava minha casa, foi
muito amigo do Mané (Garrincha, com quem foi casada).
Folha - Mas o que você pensa
sobre as histórias de delação e
tortura em torno de Simonal?
Elza - Não penso nada, porque
não acredito. A única coisa que fico pensando é que era um negrão
fazendo sucesso, o único da época. Me assustava muito, como negra. Não tenho tempo para incriminar ninguém, eu tenho muito
medo, cara. Fui muito torturada
também. Fui até mandada embora do país, fui para a Itália, em 69.
Folha - Por quê?
Elza - Não sei. A única coisa que
existia é que estava casada com
um homem, Garrincha. Ele não
tinha nenhuma implicação política, mas a gente foi embora, para
você ver. Daí se podem deduzir as
coisas. Recebi uma carta para largar o país em 24 horas.
Folha - Vinha de onde essa
carta? Polícia, governo, quem?
Elza - Não sei até hoje. Minha
casa foi metralhada. O segurança
que estava cuidando da minha casa foi atingido.
Folha - Você não tem medo
que sua homenagem seja mal
recebida, dado o preconceito
que existe contra Simonal?
Elza -Como vão receber mal?
Estou cantando música, não estou me metendo em negócio de
política. O que ele fez ou deixou
de fazer não me compete. Se fosse
tão ruim, não me tiravam uma
música e davam para a outra cantar. Então o preconceito é só contra os negros? Por quê?
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