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DISCO/CRÍTICA
Artista oferece um grito de sobrevivência
da Reportagem Local
A indústria fonográfica brasileira não se respeita mesmo. O
vexame a que Universal, Warner Chappell e a senhorita Ivete
Sangalo submeteram a maior
sambista viva do país é asqueroso, para dizer o mínimo.
Quando tudo já havia escorrido pelo ralo, os bonitos mudaram de idéia, supondo, provavelmente, que Elza fizesse
abracadabra e tudo ficasse cor-de-rosa como sempre foi.
Só no silêncio, Ivete deixou
de perceber que sua arrogância
de cantora solo iniciante fere a
memória da estrutura à qual
ela pretende pertencer legitimamente. Fica difícil pleitear
algum respeito começando
dessa maneira, ainda que toda
a mídia vá abanar o rabo feliz à
sua pose de nova diva.
Elza Soares é o próprio retrato da pilantragem, movimentação musical algo cafajeste, algo
malandra, algo autoritária que
Simonal liderava nos 60 e início
dos 70, até se meter em encrencas políticas. De artistas ainda
atuantes, ninguém tem tanta
autoridade quanto ela para reevocar aquele momento específico da música negra brasileira.
Senhorita Sangalo não tem, vai
demorar para ter.
Elza, por seu turno, em todo
o salto alto de sua competência
e importância, tem de enfrentar, além do desfalque causado
pelo vaivém, a injusta marginalização a que está atirada.
Contratada pela Universal,
foi jogada no lixo após um álbum de primeiro nível, "Trajetória" (97) -isso já era incompreensível a ouvidos não industriais.
"Carioca da Gema" é um disco pobre, gravado precariamente, oscilatório, o que a artista pôde oferecer como grito
de sobrevivência, de fora da indústria indigente. Mas o repertório (se não a execução, jazzificada e sem muitos recursos) é
irrepreensível.
Ele próprio um documentário sobre os vaivéns históricos
da MPB, inclui canções de Lupicinio Rodrigues -o autor do
primeiro sucesso na voz de Elza, "Se Acaso Você Chegasse",
que a projetou nacionalmente
em 60-, Adoniran Barbosa,
Cyro Monteiro, Dolores Duran, Tito Madi, bossa nova
("Lobo Bobo"), Jorge Ben
("Chove Chuva" ganha arranjo
funkeado, à Tim Maia), pilantragem, Milton Nascimento,
pagode ("Malandro"), Caetano
anos 90.
Inclui, até, composição própria (e emocionada) em homenagem à mítica "Lata d'Água"
e, mais até, um (ir)reverente
vocalise do "Hino Nacional"
-que se presta, enfim, a símbolo de sua resistência ao ataque das multinacionais.
O trabalho de Elza, mesmo
com as intempéries, é de quilate -seria irreparável se contasse com as benesses da indústria. Se não contasse, tudo estaria bem mesmo assim. Mas que
a indústria precise, ainda por
cima, atrapalhar (e se atrapalhar), é coisa do inferno.
(PAS)
Avaliação:
Disco: Elza ao Vivo - Carioca da Gema
Artista: Elza Soares
Lançamento: independente (nas
lojas no final do mês)
Quanto: R$ 18, em média
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