São Paulo, Quinta-feira, 08 de Julho de 1999
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DISCO/CRÍTICA
Artista oferece um grito de sobrevivência

da Reportagem Local

A indústria fonográfica brasileira não se respeita mesmo. O vexame a que Universal, Warner Chappell e a senhorita Ivete Sangalo submeteram a maior sambista viva do país é asqueroso, para dizer o mínimo.
Quando tudo já havia escorrido pelo ralo, os bonitos mudaram de idéia, supondo, provavelmente, que Elza fizesse abracadabra e tudo ficasse cor-de-rosa como sempre foi.
Só no silêncio, Ivete deixou de perceber que sua arrogância de cantora solo iniciante fere a memória da estrutura à qual ela pretende pertencer legitimamente. Fica difícil pleitear algum respeito começando dessa maneira, ainda que toda a mídia vá abanar o rabo feliz à sua pose de nova diva.
Elza Soares é o próprio retrato da pilantragem, movimentação musical algo cafajeste, algo malandra, algo autoritária que Simonal liderava nos 60 e início dos 70, até se meter em encrencas políticas. De artistas ainda atuantes, ninguém tem tanta autoridade quanto ela para reevocar aquele momento específico da música negra brasileira. Senhorita Sangalo não tem, vai demorar para ter.
Elza, por seu turno, em todo o salto alto de sua competência e importância, tem de enfrentar, além do desfalque causado pelo vaivém, a injusta marginalização a que está atirada.
Contratada pela Universal, foi jogada no lixo após um álbum de primeiro nível, "Trajetória" (97) -isso já era incompreensível a ouvidos não industriais.
"Carioca da Gema" é um disco pobre, gravado precariamente, oscilatório, o que a artista pôde oferecer como grito de sobrevivência, de fora da indústria indigente. Mas o repertório (se não a execução, jazzificada e sem muitos recursos) é irrepreensível.
Ele próprio um documentário sobre os vaivéns históricos da MPB, inclui canções de Lupicinio Rodrigues -o autor do primeiro sucesso na voz de Elza, "Se Acaso Você Chegasse", que a projetou nacionalmente em 60-, Adoniran Barbosa, Cyro Monteiro, Dolores Duran, Tito Madi, bossa nova ("Lobo Bobo"), Jorge Ben ("Chove Chuva" ganha arranjo funkeado, à Tim Maia), pilantragem, Milton Nascimento, pagode ("Malandro"), Caetano anos 90.
Inclui, até, composição própria (e emocionada) em homenagem à mítica "Lata d'Água" e, mais até, um (ir)reverente vocalise do "Hino Nacional" -que se presta, enfim, a símbolo de sua resistência ao ataque das multinacionais.
O trabalho de Elza, mesmo com as intempéries, é de quilate -seria irreparável se contasse com as benesses da indústria. Se não contasse, tudo estaria bem mesmo assim. Mas que a indústria precise, ainda por cima, atrapalhar (e se atrapalhar), é coisa do inferno. (PAS)


Avaliação:   


Disco: Elza ao Vivo - Carioca da Gema Artista: Elza Soares Lançamento: independente (nas lojas no final do mês) Quanto: R$ 18, em média

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