São Paulo, Quinta-feira, 08 de Julho de 1999
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CRÍTICA
Brasileiros levam show, rito e caixa

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Uma das três amostras de Brasil em Avignon, "Pernambuco", que estreou no fim-de-semana no Sesc Belenzinho, é um cartão-postal de Recife. Para quem se deixou tocar pelo Tonheta de "Brincante", há seis anos, este "pot-pourri" de shows de Antônio Nóbrega, com especial atenção a ritmos carnavalescos, soa ofensivo.
Estão lá duas cenas de Tonheta, seu personagem meio Arlequim meio Piolim, mas Nóbrega nem parece o mesmo das peças, sem dar vida ao papel, em cenas que destacam Rosane Almeida. Está mais à vontade, é flagrante, como crooner/regente de sua imensa orquestra "popular".
Pela seleção musical, pela "aula" de história da arte, pelo tímido maracatu e pelo bumba-meu-boi de circo, lembra um espetáculo folclórico. Mas é mais: com frevo e Carnaval, aliás muito bem executado, é um show para turistas, ou ainda, para francês ver.
Da idéia de uma seleta de canções até o título "Pernambuco" ou "Pernambouc", quase cabotino por sugerir que representa um Estado inteiro, o espetáculo é todo ele uma encomenda do festival -o que ajuda a entender o exotismo à la Parintins.
Melhor e até mais representativo é o "Auto da Paixão", de Romero de Andrade Lima, não por coincidência também o diretor de "Brincante" -e que estreou as duas encenações na mesma época, 92/93, o que mostra como está atrasado o festival.
É um espetáculo ritual que acompanha a Paixão de Cristo. O corifeu e um coro de "pastorinhas", vestidas de branco e com certa carga sensual, fazem uma procissão que passa por obras do também artista plástico Andrade Lima, enquanto cantam músicas nordestinas.
São "12 Cânticos de Amor e Morte", no subtítulo esclarecedor, pontuados por algumas cenas farsescas de inspiração religiosa, até com perna de pau.
Estranhamente, "Auto da Paixão" não foi pensado como teatro e sim como uma maneira de lançar uma exposição de Andrade Lima, numa galeria. Mas o impacto foi tal que volta quase todo ano, com viagens ao exterior.
Por fim, o terceiro representante brasileiro é o grupo Caixa de Imagens, que leva a Avignon as suas cenas com marionetes mínimas. O espectador solitário se senta diante da caixa com tripé, que parece de algum velho fotógrafo de praça, olha pelo buraco e, por alguns minutos, chega a maravilhar-se com os personagens, seus movimentos, as pequenas histórias.
São imagens encantadoras, como na cena "Em Algum Lugar do Passado", precisamente sobre um daqueles velhos fotógrafos.


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